Direção: Jonathan Glazer. Roteiro:Jonathan Glazer, Walter Campbell. Montagem:Paul Watts. Direção de Fotografia:Daniel Landin. Produção:Reno Antoniades. Direção de Arte:Emer O'Sullivan. Música: Mica Levi. Design de Produção:Steven Noble.
Quando Ridley Scott realizou Alien, o oitavo passageiro, estávamos em 1979 e, à época, falou-se num ” novo momento” para a ficção-cientifica de horror. Passados 36 anos o gênero parece presenciar um novo marco em sua proposta. Isso tanto em termos de linguagem quanto em técnica cinematográficas. E como no final dos anos 1970, certamente daqui há alguns anos à frente, lembraremos de Jonathan Glazer e seu hipnotizante “Sob a Pele” (2013).
Estamos nos dias atuais e na gélida região do Reino Unido acompanhamos uma misteriosa mulher de cabelos negros, lábios vermelhos e olhar profundo (Scarlett Johansson) que em um furgão branco vaga pelas ruas da Escócia. Sua deriva, na verdade, nos revela uma missão: seduzir os homens solitários que encontra pelo caminho e os “devorar” antes mesmo que eles deem-se conta do perigo que correm na presença dessa inebriante mulher. Nossa personagem é uma alienígena que absorve corpos humanos, restritamente de homens.
À primeira vista, o enredo pode nos passar uma ideia de que muito sangue, gritos e meia dúzia de corpos dilacerados nos aguarda, certo?! Errado. Dispensando tudo isso, Glazer nos apresenta uma obra que, de certo modo, vai na contramão do gênero. Sob a pele se revela um filme “limpo”, quase asséptico, onde as sequências sanguinolentas e os efeitos dela provenientes são totalmente dispensados. Essa renúncia aos códigos do cinema de horror é justamente o que torna o longa tão distinto.
Em seus primeiros 10 minutos, o filme nada nos aponta sobre sua proposta ou natureza. E assim ficamos sem saber se estamos diante de uma drama, um terror, um suspense…não sabemos.
Passado esse tempo, no entanto, é somente quando nossa assassina faz sua primeira vítima que sentimos qual a atmosfera da obra. Em um ambiente de fundo completamente preto, como se estivéssemos numa espécie de sonho, vemos apenas a alien e sua presa.
Ela atrai o homem e a medida que esse vai se aproximando também afunda na superfície como se estivesse num lago de piche ou estivesse indo para uma outra dimensão. Ele está, agora, dentro do corpo dessa linda mulher e em breve se verá preso junto a uma série de outros homens arrastados para dentro do abismo que é o corpo desse irresistível alienígena.
Mas para além de seu incontestável apuro estético, o thriller nos traz uma série de outras discussões consigo, como por exemplo, a reflexão sobre o estar frenético da vida na pós-modernidade. E quando Glazer nos mostra o fluxo da cidade com sua intensa vida noturna e seus habitantes sempre em movimento, de fato, nos fala: pelos olhos dessa extraterrestre, somos um amontoado de corpos em deslocamento constantes. Somos receptivos, áusteros, convalescidos e repugnantes. Somos a contradição.
E neste momento, essa avalanche de percepções parece explodir a mente dessa “moça do espaço”, que decide não apenas usar humanos mas partir para um contato ou vivências das experiências terrenas afim de sentir e, quem sabe, entender o que é esse estar humano. Ela parte numa viagem de autoconhecimento cujo fim nem mesmo ela sabe qual será. Essa colocação é feita pelo realizador de forma sutil. Percebemos que ele objetiva guiar nosso olhar para essas questões que estão sopradas na tela, e não gritadas.
Falamos do gesto. Aquela leve ação que pode possuir tamanha potência e que atualiza todos os demais gestos realizados pela história. Como no instante em que a jovem alienígena leva um garfo à boca para comer um pedaço de bolo. E como a Filosofia explica, é o método dialético, cuja tese defendida por Platão, baseia-se na reflexão e questiona todas as coisas e o mundo em sua formação permitindo o seu respectivo reconhecimento através da experiência vivida.
Falamos da crítica. Direcionada à mídia, ela se encaixa no filme pelo olhar intrigado que a alien lança à tela de uma TV que exibe em dado momento um talkshow ou essas comédias de pastelão (leia-se Zorra). Dai, a jovem, que não é da Terra, parece se interrogar um tanto estarrecida: por que essas pessoas veem isso?
Essa parece uma resposta cara e que nossa anti-heroína pode não vir a descobrir. A natureza humana em sua essência é perversa? Ou será que essa suposta vida fora da Terra pode vir a ser tão dotada de sensibilidade e discernimento quanto a nossa? A pergunta é para você. São questões que o longa nos coloca e com precisão planta em nosso pensamento essa curiosa desconfiança.
A obra de Glazer, tão competentemente adaptada do romance surrealista de Michael Faber (2000) nos abre uma brecha por onde olhamos para o futuro da ficção-científica de terror e atestamos: estamos diante de um novo clássico, não só do gênero, mas da cinematografia contemporânea.
Sob a pele é um filme completo por lançar mão de tudo o que o livro prega, desde a busca do amor e da sexualidade que culmina no horror ao altruísmo que adormece em cada ser mas acaba despertando nessa aventura fantástica que se chama a vida, seja ela para seres terrenos ou vindos do espaço, quem sabe.
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