Direção: Alfred Hitchcock. Roteiro:Robert E. Sherwood, Joan Harrison. Produção:David O. Selznick. Música: Franz Waxman. Fotografia: George Barnes. Montagem: W. Donn Hayes. Direção de Arte:Joseph B. Platt.
Alfred Hitchcock foi um dos maiores realizadores de todos os tempos. Suas obras e seu olhar particulares ajudaram a moldar o exercício da cinematografia como a conhecemos hoje, também. E entre tantos filmes de grande valor artístico e mercadológico, alguns trabalhos do diretor ganharam notável destaque. Um desses títulos é Rebecca (1940). Além de um projeto que marcou a entrada do diretor na indústria americana, o longa pode ser considerado um trabalho paradigmático, não apenas pelo títulos que conquistou, entre eles o Oscar de Melhor Filme daquele ano.
Adaptado do Romance de Daphne de Maurier, o filme é um suspense psicológico e um romance gótico que conta a estória de uma jovem dama de honra (Joan Fontaine) que se casa com um aristocrata inglês (Laurence Olivier). Aos poucos, a jovem vai gradativamente descobrindo os segredos do esposo, um homem que ainda vive atormentado pelas lembranças da falecida esposa. Na linha entre o melodrama e o thriller, o longa se desenha fluidamente, passeando entre gêneros de modo sutil.
É claro que, em 1940, não falamos da natureza intertextual genérica notada na contemporaneidade. Ainda na primeira metade do século XX, a própria gramática do cinema ganhava forma e estava em pleno processo de aperfeiçoamento e metamorfose. Cidadão Kane (1941) é um dos mais explorados exemplos desse movimento, como muitos já sabem. Em Rebecca, entretanto, há a manutenção de uma estrutura eminentemente clássica. E isso passa muito pelo trabalho e ideário do que entendemos por mise èn scene.
Em termos práticos, ela diria respeito a uma ideia ou concepção de um controle absoluto do universo do filme por parte dos realizadores da era clássica. O teórico Oliveira Jr falaria sobre uma necessidade de ordenamento do real ou de se emprestar alguma forma ao que é inerentemente caótico. Esse status estaria, logo, apoiado em dois pontos estruturantes. Na figura dos atores e os demais elementos que constituem o espaço da cena fílmica, seja a partir da premissa da direção de arte, design de produção e fotografia.
Juntos, esses elementos são o cerne de uma obra como Rebecca, por exemplo. Temos a figura do diretor/realizador/autor aqui referido à Hitchcock. Mas também observamos uma tendência mais formal no desenvolvimento do longa. A forte presença de planos muito bem compostos, assim como um perceptível controle nos elementos de cena, são marcas desse cinema da modernidade. Desse filme que se retroalimenta da genialidade de seus autores ao passo que igualmente objetiva manter uma estrutura proveniente do classicismo do início do século.
Ao mesmo tempo, há um ponto que tensiona toda essa estrutura posta e que certamente é o elemento de ligação entre aquilo o que a cinematografia de Hitch deixaria como legado: o trabalho a partir de elementos simbólicos. Aqui, isso se consuma perfeitamente a partir da figura da personagem título. Para além do que já possa ter sido dito sobre essa figura, o que mais impressiona nessa narrativa é o fato de estarmos diante de um ser que se materializa a partir da ausência. Essa é a essência do arquétipo de Rebecca.
Afinal, que personagem é esse que está presente em quase todo o filme, mas não conseguimos materializá-la? Ela é um dos mais brilhantes exemplos do uso e exercício dramatúrgicos já vistos, ou seria sentido?! Esse é o jogo que um realizador como Hitchcock nos apresenta.Antes mesmo do conceito do “não-personagem” e suas derivações terem sido escalados na gramática da linguagem do cinema, ele já incursionava nesse terreno investigando as potencialidades da dramaturgia clássico-moderna.
Entendemos que os papéis de Maxim (Laurence Olivier) e Sra. de Winter (a personagem de Joan Fontaine não tem nome) são as bases que estão visíveis aos olhos do espectador menos atento. Eles estão ali, mas é sob a sombra da personagem título do filme que reside a sua potência narratológica. Essa mulher não aparece materializada em uma cena cena sequer. O máximo que temos dela é uma narração que conduz o prólogo da estória. E ainda assim ela opera o longa em todos os seus atos ao longo suas das duas horas e 10 minutos de duração.
A dificuldade no exercício da dramaturgia cinematográfica talvez não esteja ligada apenas à complexa missão do desenvolvimento das ações ligadas aos personagens. Mas também, e principalmente, ao ato de se ter de fazer menção a esse gesto a partir de algo ou alguém a quem não podemos ver, apenas sentir. Por isso, essa brilhante e enigmática personagem-título possa ser já tomada como uma grande metáfora dos desafios e possibilidades que a arte do filme enfrentaria a partir daquela prolífica década de 1940.
Assista o filme completo abaixo:
תגובות