Direção: Michelline Helena, Amanda Pontes. Roteiro: Michelline Helena, Amanda Pontes. Direção de Fotografia: Victor de Melo. Som: Lucas Coelho. Música: Vitor Cozilos, João Victor Barroso. Montagem: Mariana Nunes Gomes. Direção de Arte: Thaís de Campos. Produção: Caroline Louise.
Um dos movimentos mais icônicos da história do cinema mundial foi, de fato, o Neorrealismo Italiano. Antes de chegarmos ao filme de Amanda Pontes e Michelline Helena, vale esse preâmbulo para pensarmos como a perspectiva de uma estilização impressa agrega sentido e presença numa obra audiovisual.
A ideia de um fenômeno gestado na ressaca do Segunda Grande Guerra trouxe toda uma gama contextual para dentro de uma série de obras cujas bases residiam, em sua origem, na expressividade das suas figuras retratadas, seus personagens e do uso do espaço cinematográfico como um campo de reimaginação da realidade vivente naquele período histórico.
De uma Itália aos frangalhos, surgiu-se uma forma outra de lidar com os traumas ainda em processamento daquela sociedade na virada da primeira para a segunda metade do século XX. Faço esse preâmbulo para pensarmos um pouco a respeito para onde vai o cinema brasileiro contemporâneo dos últimos vinte anos.
Antes disso, se retornarmos algumas décadas atrás, tanto o cinemanovismo quanto as produções do Cinema Marginal já ensaiavam essa transposição das referências francesas da Nouvelle Vague e italianas do Neorrealismo. Reorganizações poético-conceituais dentro de uma proposta de um cinema já transnacionalizado à época.
Falar desse momento importa para refletirmos, não sobre regionalismos - concepção que nem mais dá conta da multiplicidade das nossas produções, cada vez mais universalizantes - mas sobretudo a respeito daquilo o que pode marcar ou dizer sobre os filmes feitos no Ceará, particularmente.
E nesse caso da obra de Michelline e Amanda, investe-se numa intenção investigativa dos meandros dessa ausência temático- operacional, mas se sobra nos limites de um prática, digamos, "ionizante" do fazer cinematográfico.
Tomando como referência o fenômeno das ciências naturais, é como pensarmos, por um momento, o filme enquanto uma unidade elementar que parte de um vazio existencial, mas que aos poucos vai se modulando, para o bem ou mal, no todo que os créditos finais a revestem.
No caso desse filme da dupla de diretoras, tudo parece se contaminar pelo vezo do rancor, do trauma e da inabilidade/incapacidade desses personagens construírem algo juntos. São esquemas que vão minando a narrativa de dentro para fora, digamos.
Porque quando vemos essa figuras discutindo uma questão, a querela nunca parte de um tópico a resolver-se e usualmente se encerra antes que o sentido mínimo da situação se estabeleça. Quando dona Marluce vai à casa da mãe para falar a respeito do sumiço da filha, Dayane, a construção da cena só dura o tempo do choque de insultos ter início.
Logo aquele estado se desfaz como que para uma desculpa a se validar um suposto lirismo de uma cena seguinte dessa mãe retornando para casa em um ônibus no meio da noite de Fortaleza. Sob o som de "Uma Canção Desnaturada" ao fundo e o lirismo institucionalizado se estabelece enquanto gatilho primário sequencial.
Isso acontece diversas outras vezes ao longo do filme num atestado bem evidente da fragilidade da malha cênica de se constituir uma sequência dialógica ou dialética sequer. É mais uma muleta narratológica enxertada entre cenas que vão se instituindo a fórceps do que uma ferramenta elaborativa da produção.
Espécie de calcanhar de Aquiles de uma gama de filmes produzidos no Ceará nessa última década, o processo invalida qualquer possibilidade de tensionamento mais orgânico que seja em detrimento a uma premissa superficial no que tange a essa ausência enquanto esquema proposto.
Sim, é ótima a premissa de trabalhar esse vácuo na experiência cinematográfica ou mesmo enquanto motivo estilístico para a base fílmica na sua origem. Problema é que esse vazio ou "não estar" nem chega a ser a da personagem da Dayane em si.
E sim da elaboração mínima de situações-cinema ou mesmo diegéticas que, de alguma forma, operacionalizem esse ideal argumentativo de alguém que se foi, que esteve algum dia naquela realidade, mas que não se encontra mais ali.
É só um extracampo, nada mais. Tal elaboração já seria tudo, caso o sopro da realização isso percebesse ou chegasse a esquematizar de alguma forma, o que infelizmente, nada disso se faz. Mais uma vez o cinema cearense patina nos vícios do vazio da revolta dentro de uma ficcionalização deselaborada.
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