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Pantera Negra: Possibilidades Paradigmáticas no Cinema de Super-Heróis


Direção: Ryan Coogler. Roteiro: Ryan Coogler, Joe Robert Cole. Design de Produção: Hannah Beachler, Jay Hart. Direção de Arte: Ruth E. Carter. Edição de Som: Steve Boeddeker, Brandon Proctor, Peter J. Devlin. Música: Ludwig Göransson. Mixagem de Som: Benjamin A. Burtt, Steve Boeddeker.



Há pouco mais de um ano, Pantera Negra (2018) entrava em cartaz. Passado esse tempo, a obra ganha novas camadas a partir das discussões que podemos levantar em função do que ela o é e nos mostra. O debate fica mais interessante quando o filme se torna algo além do que ele mesmo é formado, seja em termos de conceito ou de técnica. E no meio dessa instigante vereda, o cinema reside enquanto fonte quase inesgotável para o exercício de refletirmos e emergirmos sobre a arte em tudo o que ela nos incita de mas forte.


No décimo oitavo longa-metragem do Universo Cinematográfico Marvel (UCM), vemos T'Challa (Chadwick Boseman), herdeiro do reino oculto, mas avançado de Wakanda, tomando a difícil decisão de dar um passo adiante para conduzir seu povo a um novo futuro, ao mesmo tempo em que lida com um adversário do passado de seu país. Em linhas gerais, essa é a trama do filme. Mas seria ele apenas mais um filme de super-heróis entre tanto outros já feitos e vistos?

A resposta é não, se considerarmos pequenos detalhes de uma figura que, muitas vezes, acaba estranhamente ocultado quando a discussão sobre essas obras estão em debate: o diretor. Colocando em retrospecto o trabalho de Ryan Coogler (Fruitvale Station, 2013), as questões raciais e identitárias são temáticas recorrente na sua filmografia. Logo, enquanto autor, Coogler imprime sim um estilo e abordagem bem particulares mesmo em uma obra mais capilarizada como o são os filmes do UCM.


O realizador assina também o roteiro junto com Joe Robert Cole e a independência que ambos tiveram na sua construção tiveram impacto direto para o desenvolvimento da estória. Já tínhamos conhecido T'Challa em Capitão América: Guerra Civil (2016), mas aqui, a narrativa opera entre o filme de origem super-herói com variações tonais do drama, da fantasia e da ficção científica. Os realizadores partem do imaginário referencial próprios para criar um filme que, apesar de inserido em um universo maior, funciona muito bem enquanto uma experiência isolada.

Há todo um apanhado de referências dos eventos e personagens apresentados nos longas que antecederam Pantera Negra, mas a ideia da estória de origem é bem delineada no seu cerne. O lugar é Oakland, território conhecido de Coogler e que, portanto, reforça uma veia temática e autoral da obra. Ele usa a cidade como ponto de conexão entre o universo real da Terra e aquele onde a ciência e o misticismo operam a partir de tudo o que Wakanda é. O filme é baseado nas Histórias em Quadrinhos de Jack Kirby e Stan Lee, mas há todo um empenho da equipe de roteiristas em adicionar camadas na mitologia do herói.

O que é muito positivo e nos traz de volta à questão: seria esse longa mais que um filme de gênero? Dessa vez a resposta seria, não, quando consideramos seus elementos constitutivos no que diz respeito ao gênero. Temos a própria figura do super herói, os elementos de ação, as lutas e perseguições de carro, em sua maioria muito bem coreografadas, e isso é um elemento importantíssimo nesse tipo de obra. Mas é interessante lembrarmos do quanto o som justifica também esse cinema de gênero e o ajuda a se legitimar igualmente.

E diferentemente do que o pensamento radicalizado nos tenta impor, não há demérito algum no cinema de super-heróis, desde que a qualidade técnico-conceitual dessas obras esteja sendo uma guia para esse tipo de produção. Concentrando-nos na linha temporal do UCM, é preciso lembrarmos que a cada novo filme, a empreitada do estúdio em criar uma série cinematográfica onde essas obras partilharam um mesmo universo passou por diferentes momentos.

Considerando Pantera Negra isoladamente, ele opera dentro de uma exitosa fase de conceito e de negócios da Marvel Studios. Dentro da chamada Fase Três, o longa arrecadou 1,3 bilhão de dólares ao redor do mundo e foi idealizado junto de outros títulos que igualmente mesclaram e buscaram “novos paradigmas” dentro das produções da Casa de Ideias. Fossem eles entre formas de subversão da ordem estabelecida nos enredos dessas narrativas e personagens (Guardiões da Galáxia Vol. 2, 2017) ou pela mistura de tons entre gêneros (Thor: Ragnarok, 2017).

O ponto comum aqui é novamente a veia do autor. Excetuando-se Doutor Estranho (2015), todos os oito filmes da Fase Três do UCM levam as marcas de seus diretores em maior ou menor medida. O que mostra o quanto Kevin Feige, CEO da Marvel Studios, considerou alguma liberdade criativa como uma ferramenta certeira para contrabalancear os reflexos que esses filmes levam consigo quando consideramos a recepção entre público e crítica. E isso nos leva, por fim, diretamente às 7 indicações que Pantera Negra recebeu no Oscar de 2019.

Afora suas outras três indicações ao Globo de Ouro (Melhor Filme, Trilha Sonora, e Canção Original), a nomeação do longa na premiação da Academia e sobretudo na categoria mais importante como a de Melhor Filme guarda suas hipotéticas razão de ser. Enquanto analistas, vale entendermos que Pantera Negra é um dos melhores filmes do ano, sim. Mas não para se concorrer em uma premiação como o Oscar. Lá, residem os filmes “mais importantes” de cada ano. As aspas têm sua razão de ser, calma!


Porque o melhor para a Academia não necessariamente o é para o conjunto de obras que formam o universo de filmes lançados ao longo de cada no mundo todo. Mas como o Oscar é uma festa para celebração do cinema norte-americano, o escopo das obras referenciadas como as melhores do ano se limitam às produções gestadas nos Estados Unidos. Porque se assim não fosse, filmes como Em Trânsito (2018), Os Garotos Selvagens (2018) e Em Chamas (2018), entrariam como candidatos fortíssimos da premiação, caso obras de outros países disputassem a categoria de Melhor Filme.

Mas a Academia precisa do aumento da sua audiência, cuja taxa decai a cada ano, assim como necessita do apoio e simpatia de público e da indústria. Nisso, filmes como A Forma da Água (2017) e Pantera Negra entram nesse perfil dentro do suporte que ambas as partes envolvidas prescindem quando chegamos a cada nova temporada de premiações. Isso não tira o mérito dessas obras, obviamente. Mas é algo que temos de considerar para além dos afetos que esses filmes nos mobilizam.

Entretanto, se o cinema abraça a cultura pop e cada vez mais o espectador tem tido acesso a trabalhos que, mesmo minimamente, tentam se repensar em forma e conteúdo, então a experiência do filme tem agido, em alguma medida, politicamente. A cena pós-créditos de Pantera Negra - certamente a melhor entre todas as apresentadas nos últimos 20 filmes do UCM - diz muito disso e é um feliz indicativo de que um filme de super-herói pode ser mais que uma experiência de gênero. Basta olharmos suas entrelinhas e a mensagem estará lá. A fala de T'Challa sobre a construção de pontes em oposição à ideia dos muros que dividem os povos é esse indicativo.

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