Apesar de parecer meio óbvia, mas a questão do amadurecimento bate muito forte neste novo Almodóvar. E considerando isso, a política assume um papel central por ser, ela mesma, uma parte determinante desse posicionamento que o diretor sustenta dentro da obra.
É curiosa a relação do exercício cinemático com esse estar maduro no modo de se contar as estórias ou elaborar as narrativas. Aqui, especificamente, é como se tudo já estivesse dado. Diante da iminência da morte, pouco parece restar para a personagem de Martha (Swinton) além do acolhimento de Ingrid (Moore), essa parceira de última viagem a quem os últimos momentos junto à amiga ela foi confiada.
Nisso, o melodrama segue uma fórmula que não espera grandes reviravoltas. Há, por isso, mesmo um gigantesco impeditivo entre as personagens - a determinação do fim da vida diante de um quadro avariado de saúde -, mas que se sedimenta justamente nesse arco opositor da aceitação e do entendimento da dinâmica ali posta.
E é exatamente nisso que o cinema de um autor como o do Almodóvar se justifica em sua sobriedade. Ainda que a atmosfera melodramática se imponha, seja por meio do vezo temático ou em sua escala processual, isso não implica o uso ou a manifestação de excessos como, por exemplo, discussões sobre um determinado ponto de vista, ou uma outra situação específica que seja.
A relação entre essas duas mulheres até presume algum embate, principalmente em relação aos termos e condições do acordo estipulado entre as duas. Mas esse é um estado dentro do filme que jamais deságua para uma abordagem de desgaste, de confrontos ou conflitos desnecessários.
Tudo é incorporado a favor daquilo sobre o que a obra quer discutir. Interessante que quando Ingrid vai enfrentar a esfera legal no filme, ela tem um embate com uma espécie de representação unívoca do conservadorismo em sua vertente mais predatória: aquela marcada pela figura do homem da lei que opera, não pelos preceitos da Justiça e da Igualdade, mas sim pela retaliação e pelo fanatismo religioso.
Talvez, por isso mesmo, seja esse o segmento de maior tensão em todo o filme. É o modo que Almodóvar escolhe para nós dizer da mácula que o extremismo tem imprimido nas relações sociais ao longo desse novo século. Algo parecido, Guto Parente tentou fazer aqui em seu mais recente trabalho.
Com o ônus de um desvio interpretativo, digamos, já que essa figura vilânica, no longa-metragem cearense acaba sendo uma agente de segurança trans. Ou seja, aquele que deveria ser a mão que ampara, assume os traços do opositor.
O que, numa leitura possível, configura um equívoco colossal em relação a esse tipo de construção narratológica. Algo que um realizador experiente como Almodóvar, por exemplo, não o faz por entender muito bem as nuances e a seriedade em lidar com tais representações.
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