Direção: Robert Wiene. Roteiro:Carl Mayer, Hans Janowitz. Produção: Rudolf Meinert. Erich Pommer. Fotografia:Willy Hameister. Design de Produção:Walter Reimann. Walter Röhrig. Hermann Warm Música:Michael Klubertanz.
O ano de 2020 marca o centenário de um dos mais importantes filmes de todos os tempos: O Gabinete do Dr. Caligari (2020). Ícone do movimento expressionista alemão, a obra-prima de Robert Wiene é um marco não apenas na filmografia do realizador, como no curso da história da cinematografia mundial.
Mas para entendermos a refletirmos mais criticamente sobre os índices que cercam este longa, precisamos colocar sua existência em perspectiva com a própria natureza do cinema contemporâneo como o conhecemos hoje. Qual o legado que uma obra dessa deixa? Esse é um dos inúmeros pontos de partida nesse exercício.
No filme, Francis (Friedrich Feher) e o amigo Alan (Hans Heinrich von Twardowski) visitam uma feira de atrações onde conhecem Cesare (Conrad Veidt), um homem sonâmbulo que faz previsões sob o comando e orientações de um misterioso homem conhecido como Doutor Caligari (Werner Krauss).
O longa é considerado por muitos como um dos primeiros filmes de terror da história. E também um dos mais importantes trabalhos do movimento expressionista alemão. Olhando para a obra 100 anos depois de seu lançamento, é incrível notarmos o quão contemporâneo ela é.
A atmosfera sombria e os elementos simbólicos da narrativa, tais quais o assassino sonâmbulo e o médico louco remontam a um imaginário muito característicos das figuras presentes nos trabalhos do início do século XX. Entretanto, "Caligari" vai além da construção narratológica na representação dessas figuras do terror. Já em 1920, o interesse de Robert Wiene estava voltado para a investigação psicologizante dos nossos medos e perturbações.
Vemos Cesare matar e raptar pessoas na encarnação clássica da figura do monstro/assassino. Mas é a problematização das consequências dos atos dessas figuras que o filme tenta se ater. A estória não está centrada invariavelmente no vilão ou na jornada do mocinho. Ele reparte essas escalas ao meio para tentar lidar com as contradições dessas pessoas eclipsadas por um período de fortíssimos conflitos em suas escalas macro e micro espaciais.
Afinal, que Alemanha era essa pensada por Wiene e todos os demais artistas do início do século XX em suas mais diversas vertentes artísticas? Como um vanguardista, o realizador alemão entendia que o fluxo dos acontecimentos daquele período, já inserido na Primeira Grande Guerra, antevia um contexto de acontecimentos irreversíveis.
"O Gabinete", portanto, aparece como um quadro de um tempo marcado por indefinições e uma aura de conflitos. O homem moderno tinha de ser preparar para enfrentar os demônios de uma era inundada de complexidades. A morte, o medo e a loucura seriam uma das equação desse estado de coisas ali postos.
O modo como o cinema, enquanto arte, lidou com esses temas foi definitivo. Ao invés de recriar narrativas alienadas, foram propostos filmes que, direta e indiretamente, pensaram o século XX e suas delicadas questões seja na ordem subjetiva ou política. O fato de o protagonista não alcançar seus objetivos ao fim da trama é outro indicativo dessa narrativa que mesmo antes se anteceder à proposta clássica, já se apontava contemporânea. Afinal, o que mais seria essa proposta de um enredo circular que não linguagem do cinema de 2020 já estabelecida no ano de 1920?
O Gabinete do Dr. Caligari sempre foi mais que um filme que conta uma estória. Todos eles têm uma para contar, obviamente. Mas nós sentimos e entendemos quando estamos diante de um clássico, por exemplo. O que define isso? Certamente, o caráter de atemporalidade da narrativa ali descrita e assinada. A frente de seu tempo, esta obra-prima do terror já àquela época superava a gramática que estabelecia alguns trabalhos do período.
Há uma dimensão narratologógica solidamente estabelecida aqui. Assim como um forte senso de construção dramartúgica indispensável para o desenvolvimento da estória. Por fim, o filme como forma consolida-se a partir daquilo o que hoje entendemos pelo trabalho de design de produção. Todos os cenários e objetos que ressaltam e reafirmam a proposta vanguardista do expressionismo alemão são como uma assinatura de uma obra circunscrita em um determinado período histórico, mas nunca engessado nele.
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