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O Fabuloso Destino de Amélie Poulain: o processo da empatia em cena


Direção: Jean-Pierre Jeunet. Roteiro: Guillaume Laurant, Jean-Pierre Jeunet. Montagem: Hervé Schneid. Direção de Fotografia: Bruno Delbonnel. Produção: Claudie Ossard. Direção de Arte: Mathieu Junot. Música: Yann Tiersen.



O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001) é um dos 100 maiores filmes deste século. Escrito e dirigido pelo francês Jean Pierre Jeunet, o longa marca a transição de uma cinematografia que toma referências do século XX naquilo o que de melhor apontaria para o século XXI. É um trabalho de uma simplicidade extrema do ponto de vista da construção do seu enredo. Mas revestido também por um sofisticadíssimo projeto narrativo nas vertentes técnicas e de sentido.


Em suma, o filme nos conta a história de Amélie (Audrey Tatou), uma jovem e tímida parisiense cujo forte senso de justiça e moral acaba diretamente influenciando a vida das pessoas que estão ao seu redor. Os dias da moça sofrem uma mudança quando ela encontra um álbum de fotografias que fora esquecido pelo jovem Nino Quicampoix (Mathieu Kassovitz). Na busca por devolver os pertences do rapaz, Amélie descobre o amor no meio do caminho.


Esse contexto é interessante porque, apesar do longa girar em torno dessa protagonista, a narrativa não se concentra exclusivamente nela. Por isso o filme consegue um tom bastante harmonioso. Uma vez que os demais personagens não estão em cena como figuração. Pelo contrário, eles são o contexto da estória e reagem nesse tecido que Jeunet constrói tão precisamente.


Não há excessos em Amélie. Há o necessário para a apresentação de um trabalho autoralmente firme. E o senso de autoria é a chave do êxito do longa. A possibilidade que Jeunet teve de criar esse universo a partir de uma série de recortes de casos e dos modos de ver de cada uma dessas personagens é outra chave que assegura a força da produção.


E a liberdade que, na experiência cinematográfica conhecemos como independência, é um índice muito forte deste filme, especificamente. Afora os afetos que ele gera desde 2001 enquanto obra “alegre”. Mais valeria olharmos para Amélie como um brilhante escopo da empatia retratada na narrativa cinematográfica. Porque em sua forma mais acabada, é disso que o longa se apropria. Onde em momento algum soa bobo ou ingênuo.


Esse quadro empático da obra é aquele que notamos em sua forma e seu sentido. Em forma, pelo fato da equipe de realização endossar isso na natureza de Amélie e dos demais personagens. E em sentido, no fato de que a empatia é o dispositivo que lança a narrativa para frente.


Nossa heroína influi diretamente na vida dos que estão ao seu redor. E apesar de ser a protagonista, os demais personagens não estão ali para projetá-la na estória. Na verdade, são as resoluções de Amélie que projeta esses outros caracteres, como o senhor Ossos de Vidro, o rapaz da venda, Lucien ou de Nino Quicampoix, seu grande amor.


E apesar do seu tom de fantasia, o filme traz em si um código da narrativa naturalista que o equilibra sobremaneira. Porque se olharmos com atenção, quem são os personagens dessa estória? São tipos que assumem senso de etiqueta como mera cafonice? Não. São tipos simples. Que levam vida simples. Que não figuram luxo. E que por isso mesmo são tão especiais.


Essenciais em uma era de aparências de vidas “não vividas”, mas projetadas, os personagens que Amélie nos traz são uma seta que aponta uma construtiva dialética em torno da vida que vale a pena ser vivida. Na sua internalidade, sem crédito, projeção. Uma vez que é da gratuidade dos atos de Amélie para com os amigos que emerge toda sua singularidade.


Ora, nada mais coerente já que estamos diante de um filme iminentemente romântico. Mas não numa esfera superficial tal qual entendemos hoje o gênero. O romantismo em Amélie vem da espera. Do tempo que ela tem de esperar para encontrar Nino e da crença que ela nutre pelo sentimento alí gestado. E Jeunet conduz esse encontro numa crescente que culmina no clímax do filme e explode sutilmente à forma como a descoberta do amor deve ser: calma, suave como um sopro.


Em 2001 ou em 2021, o universo de Amélie nos marcará enquanto entendermos toda sua virtude. Já que ele nos dá luz a esse cosmo do “eu” que dispensa o crédito e toda forma de vaidade. Amélie não estaria no Instagram fotografando “o prato saudável” posto em um restaurante chiq da cidade, ou do café que se toma na espera do salão de beleza.


Não. Aquilo o que ela dá valor, ela guarda na memória do coração. Seus beijos não são publicizados, assim como suas declarações. Elas são sutis, privadas. Vêm suavemente. E se desenrolam como ela mesmo a faz, por meio de três beijinhos distribuídos no canto do lábio, no pescoço e no olho daquele a quem se ama. Essa é a virtude desse icônico personagem do século XXI. E também deve ser a nossa. Sempre. O Fabuloso Destino de Amélie Poulain é uma das maiores obras do nosso tempo e por isso mesmo será para sempre lembrada como um clássico desse tempo.



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