Direção: André Novais Oliveira. Roteiro: André Novais Oliveira. Direção de Fotografia: Ronaldo Dimer. Direção de Arte: Esther Az. Produção: Thiago Macedo Correia, André Novais Oliveira.
É um senso de relação com uma frontalidade narrativa o que André Novais sugere aqui. Gosto bastante da dinâmica lúdica com que o filme vai agenciado os eventos e os modos de entendermos um pouco mais sobre os personagens, sobretudo Zeca e Luísa.
Na economia desse único dia, é como se o curso de uma temporalidade de 24 horas não fosse, de fato, suficiente para entendermos essas figuras na sua totalidade. Mas a ideia parece ser essa mesma. Na concepção do cinema como fatia de vida, é só uma porção que nos cabe aqui para intuirmos aonde o futuro levará esse par.
Porque na desgraça do cotidiano, mais vale só aceitar as coisas que acontecem meio que com base em um aviso prévio e seguir adiante. Não desistir não parece ser uma questão para Zeca, por exemplo. Ele simplesmente se deixa levar. Foda-se o lugar semi-estabelecido na escala da sociedade do trabalho. Já passou.
E aquele retorno para casa que pareceria mais dificultoso do que rotineiramente ele tenderia a ser, se transforma em outra coisa. Na metamorfose do dia a dia, nem notamos que não há espaço para tragédia que parta esse homem ao meio.
E ainda que entendamos que a busca do amor nem chegasse a ser uma questão para ele, quando a estrada do afeto se abre, ele estende a mão, aquela mesma com a qual instantes atrás recebera a informação da dispensa do serviço. Não há tempo para remorsos, só para o corpo a corpo com a vida mesmo.
Porque se da ida do ex-trabalho até sua residência Zeca tem, na diegese do filme pouco mais de 50 minutos, isso se torna tempo suficiente para que Novais introduza o microcosmo que dará sustentação ao macrocosmo que a narrativa sugestiona.
Falar desse elemento sugestivo, aqui, importa, porque esse talvez seja a primeira vez que vemos o diretor experimentar mais no escopo da estória em longa duração. Não que precisemos falar de qualquer "escalada" que Novais tenha feito de 2010 a 2024, não é isso.
Realizador que prescinde de rótulos evolutivos, seu cinema sempre acompanhou e foi (é) formatado pela contingência da vida enquanto matéria-base. Se tudo parte disso, então nem o jogo com aquilo o que poderíamos entender como uma codificação do romance é suficiente para acorrentar as possibilidades criativas das proposições de um realizador como esse.
Tal qual a estrutura de uma tapeçaria, o conjunto da sua obra - assim como o de muitos contemporâneos como Gabriel Martins, Marília Rocha, Lincoln Péricles, Juliana Rojas, Gabriel Mascaro ou Allan Ribeiro, elabora esse outro estado de concepção da brasilidade que brinca com os possíveis diante do naturalismo desconstitucionalizado sobre a apresentação narratológica nacional.
Mas também repensa as amarras no vezo de uma simbologia ou método que o valha ou passa ser tomado como único. E aí, a banda sonora reelabora esse estado de realismo e nos encaminha uma ludicidade embebida nas melhores comédias de costumes dos anos 1960 ou dos confort movies do início desse novo milênio.
Não interessa o logos do tempo. Todo o tópico musical só dura o tempo para que a ambiência nos marque de alguma forma. É o suficiente. Isso é o que o cinema é. Não é real porque não está lidando com essa inscrição estritamente. Vai além disso.
Fala, portanto, das coisas postas e experimentadas na dialética da vida. É a dificuldade para acordar cedo, é o ônibus que dá o "prego", é o pastel partilhado com uma amizade imprevista, a carona aceita por quem poderia levar a alcunha da má ventura, é o laço afetivo costurado no acaso do curso de uma diária, ou a quantidade de pães adicionais compradas numa nova etapa para outros dias. É a vida, é a vida. Isso basta.
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