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Matrix: O paradigma do cinema entre séculos


Direção: Lily Wachowski, Lana Wachowski. Roteiro:Lily Wachowski, Lana Wachowski. Montagem: Zach Staenberg. Direção de Fotografia: Bill Pope. Design de Produção: Owen Paterson. Música: Don Davis. Efeitos Visuais: John Gaeta. Edição de Som: Dane A. Davis.



O que é Matrix? A pergunta que guia o filme lançado em 1999 segue como uma das principais portas de acesso àqueles que entram em contato com a obra pela primeira vez ou daqueles que a revisitam de tempos em tempos. É claro que dentro do universo representado pelo longa escrito e dirigido por Lily e Lana Wachowski, essa parece, à primeira vista, uma resposta bastante complicada de se dar. Haja vista a gama referencial que reveste este trabalho de realização, que é um dos maiores paradigmas em termos de realização audiovisual deste século.

Na trama, um hacker chamado Neo (Keanu Reeves) junta-se a um grupo de rebeldes misteriosos e aprende novas noções acerca daquilo o que ele pensava ser a sua realidade. Ao mesmo tempo, ele descobre seu verdadeiro papel na guerra contra seus controladores. Partindo de uma sinopse bastante objetiva, o mergulho que fazemos no filme durante suas duas horas e dez minutos de duração nos remete à reflexão de estarmos diante de uma obra onde o fluxo opera entre séculos.

Sim, Matrix deu-se no final do século XX. Mas se a tomarmos como trabalho que ajudou definitivamente a pautar o modelo de produção de longas de ação e ficção científica para o século XXI, passamos a entender as razões de a lermos como um novo clássico da cinematografia dos últimos 20 anos.

Mas que parâmetro cinematográfico é esse? Falamos de um parâmetro múltiplo, já que em sua elaboração inicial, o longa fora idealizado pelos criadores como um projeto de natureza transmidiática*.

Ou seja, ele estaria para além da concepção da sala de cinema ou do uso do vídeo. Desde o início, ela abarcaria campos distintos de aplicação. Matrix seria cinema, videogame, curtas de animação e Histórias em Quadrinhos (HQ). E aí que chegamos em nosso ponto particular.

Porque buscar entender Matrix de maneira isolada e tradicional assim como o fazemos ao analisarmos filmes como Casablanca ou Rastros de Ódio não nos cabe neste ponto. Podemos interpretá-la, sim, à luz do gênero e de traços que unem técnica e linguagem. Mas o filme, como parte de um todo, não cabe nessa análise. E se tivéssemos de explorar um dos inúmeros pontos que a revestem como trabalho de um novo século, seria pela sua relevância dentro do escopo dos longas adaptados livremente ou não de HQs de super-heróis.

Fazendo um recorte dos anos 1980 a 1999, as produções desse gênero sofriam muitas limitações. Obras da Marvel como Capitão América (1990), Quarteto Fantástico (1994) ou Batman e Robin (1997) eram o pior cenário possível de uma linha de longas que estavam longe de qualquer autenticidade, seja em termos de cinematografia ou criações lotadas em um mercado, como sabemos que o cinema o é.

Ou seja, a veia de criação ancorada em filmes que apontassem um futuro mais interessante em termos de criatividade e excelência em produção não conseguiam se firmar numa indústria que investia em trabalhos de caráter altamente duvidoso. É claro que se voltamos a longas como Conan – O Bárbaro (1982) ou Batman (1989), percebemos claramente um esforço de realização com vistas a um fazer cinematográfico mais crível às HQs. Ou de histórias descritas com marcas de autoria muito fortes, como notamos na versão do Homem-Morcego de Tim Burton.

Às portas de um novo século, então, os Irmãos Wachowski criaram Matrix não apenas como mais um filme de ação enquanto gênero. Porque na miscelânea de conceitos que o projeto engloba, vimos no longa de 1999 lançadas as sementes que ajudariam na criação de novos caminhos para uma linha de filmes que, apoiadas nos conceitos ali apresentados – como o uso do CGI e de um roteiro e montagem totalmente amarradas ao filme como linguagem - teriam a seu favor o bônus da liberdade criativa a partir das ferramentas de que dispusessem.


Falamos de contextualização histórica. Naquele mesmo ano, filmes como Star Wars – A Ameaça Fantasma e eXistenZ eram lançados e também caminhavam no mesmo rumo que Matrix. O vigor com que o último longa foi realizado destoa, entretanto, de qualquer um dos trabalhos em questão. Aqui, temos dois realizadores no total controle da estória a que se propõem contar. É claro que em eXistensZ, David Cronenberg também sabia o que queria dizer.


A diferença entre os três longas reside, no entanto, no modus operandi do cinema como máquina holística. Baseados no tripé da tecnologia, da narrativa sinérgica** e de seus impulsos vanguardistas, os Wachowski nos disseram enquanto público, e à cinematografia enquanto arte, que não devemos nos colocar limites.


A fala de Neo no ato final é um endosso dessa ideia. É o conceito materializado nas linhas escritas ao personagem. A quebra de limites a qual nosso herói se refere não está mais restrita à diegese fílmica. Ele fala diretamente ao presente que ali se moldava.


* Para o pesquisador Henry Jenkins, Matrix é um entretenimento para a era da convergência, uma vez que integra múltiplos textos na criação de uma narrativa tão ampla que não pode ser contida em uma única mídia.


**Termo também usado por Jenkins referente à nova estética da era da convergência. Ela exige que o consumidor atravesse barreiras entre as diversas plataformas de mídia com a finalidade de arrecadar o máximo de conhecimento possível sobre determinado assunto, pois se tratam geralmente de narrativas muito amplas para serem limitadas a uma única mídia.





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