Direção: Ricardo Pretti, Luiz Pretti. Roteiro:Ricardo Pretti, Luiz Pretti. Montagem:Guto Parente. Direção de Fotografia: Victor de Melo. Produção:Maíra Bosi. Direção de Arte:Themis Memória e Thaís de Campos. Som: Guto Parente, Fred Benevides.
Fortaleza, 2008. Numa cidade polarizada pelo seu crescimento, apenas comparável ao seu estrangulamento, a arte subdivide-se da cultura. Esta, ligada à fala oficial de um Estado Alheio; Aquela, relacionada ao exercício autônomo que emerge da necessidade de repensarmos nossa posição enquanto sociedade. Partindo desse cenário é que um filme como Longa Vida ao Cinema Cearense” (2008) aparece como modelo de um fazer artístico que se evoca como uma ferramenta estético-polítca.
Idealizado pelos irmãos Ricardo e Luiz Pretti, o projeto de curta metragem conta a estória de Miquei, um realizador que junto de sua equipe decide apresentar roteiro de filme para uma produtora local. Na Cangaço Filmes, nosso personagem é espancado pelos empresários do grupo. Após a inesperada abordagem , ele e seus parceiros – todos utilizando cabeças de personagens do universo infantil – abandonam os acessórios e seguem em caminhada rumo a um galpão localizado no Centro de Fortaleza.
Dentro de todo o universo conceitual que o filme nos mostra, vale começarmos pela sua forma. E a metragem é um ponto-chave quando nos lançamos a um trabalho com “Longa Vida”. Isso porque sua estrutura não nos deixa brechas. Exceto aquelas que estimulam a expansão do debate sobre a arte. Por ser bastante definido, o curta subdivide-se em dois momentos. Um primeiro, formado pela tentativa de Miquei se apresentar numa “indústria” cinematográfica padrão. E a segunda, compreendida pela caminhada das personagens e o caráter de inevitabilidade dessa ação.
Assim, em 11 minutos e 12 segundos de metragem temos uma micronarrativa que não se excede na apresentação de sua metragem. E falar dessa condição é discutir o lugar do plano dentro do projeto fílmico. Porque aqui, os Pretti e sua equipe optam por uma decupagem formada por uma alternância mínima de tomadas que se estende até os seis minutos e quatro segundos da projeção. Desse ponto em diante, um plano sequência cortado por um contra-plano e um plano fixo fecham o filme.
Mas é óbvio que o curta não se fecha nisso. Pelo contrário. Sua expansão se ancora na teoria. No conceito do cinema como uma das mais potentes formas de expressão na pós-modernidade. Sua linguagem, portanto, é a maneira como o trabalho de realização se afirma no mundo. Evocar sua influência artística é algo imprescindível. Desse modo, é que Jean-Luc Godard salta em nosso filme.
Uma vez que “Longa Vida”,assume em sua estrutura uma posição política muito bem direcionada. Num sentido de que, assim como em sua imagens e enquadramentos, o projeto pensa o som como elemento indissociável na construção narrativa ali proposta. É a trilha que embala a cena mas que sofre o corte brusco da dessincronização e ruptura dos padrões. É a teoria Godardiana impressa no filme, já que além da imagem há conceito.
Conceito esse que se materializa da consonância entre a forma e o conteúdo adotados na obra. Esse conteúdo é a posição política assumida pelo próprio Alumbramento**, coletivo formado por vários realizadores de Fortaleza na segunda dos anos 2000, cuja produção constante abarca a criação de curtas, média e longa metragens. Como curta, “Longa Vida”, é uma espécie de “carta de intenções” do grupo, como afirma Rodrigo Capistrano, pesquisador e integrante da equipe.
Mas na emergência de um novo século e a todas as demandas por ele trazido é que esse filme se coloca como uma clara proposta de reorganização do pensamento criativo em cinema na cidade. De um fazer artístico alinhado não com uma tradição cinematográfica barroca fincada no misticismo ou numa produção distante de nossa realidade e vazia de conceito como mostra a lógica dos grandes estúdios brasileiros. Não! Em oposição a tudo isso é que nossos personagens abandonam suas “cabeças” e seguem novo caminho.
Eles voltam para as bases. Retornam de onde partiram porque entendem que a questão talvez não seja inserir-se numa máquina há tempos enclausurada em si mesma. Mas sim reinventar o processo criativo. Dando vida a novas formas autônomas de realização em audiovisual num trabalho sério nas intenções, inventivo nas suas práticas e afirmativo no exercício de uma ideologia que estará indissociavelmente relacionada a um projeto que pensará nosso estar nisso que chamamos de Pós-Modernidade.
Essa reflexão, obviamente, é apenas uma pequena parte do todo que “Longa Vida ao Cinema Cearense” representa. Indispensável é entendermos que enquanto conceito, a nossa cinematografia ultrapassa o debate do regionalismo. Porque não se trata do cinema do Nordeste ou do Sul, e sim de Cinema. Uma vez que a arte independe de todo e qualquer tipo de determinismo. Nosso cinema é aquele que dialoga diretamente com a produção Filipina, Malaia ou chinesa.
Assim, é que o então quarto filme dos Pretti (dentro das dezenas que compõem a Alumbramento) se torna uma obra universal. Formados por um sentimento de coletividade, os personagens não são apenas os quatro que se dirigem à Cangaço Filmes, mas todos os outros integrantes do coletivo que seguem no vídeo em caminhada e que, assim como toda uma geração gestada na última década, resiste na construção de uma cena ancorada em centros de formação vitais como a Escola Pública de Audiovisual (Vila das Artes), o Porto Iracema e nossas universidades. Essa é a garantia da longa vida do nosso cinema.
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