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Filhos da Esperança: as paredes derrubadas pelo cinema

Atualizado: 18 de jan. de 2023


Direção: Alfonso Cuarón. Roteiro: Alfonso Cuarón, P.D. James, Timothy J. Sexton, David Arata, Mark Fergus, Hawk Ostby. Montagem: Alfonso Cuarón, Alex Rodríguez. Direção de Fotografia:Emmanuel Lubezki. Produção: Armyan Bernstein. Direção de Arte: Andrew M. Stearn. Música: John Tavener. Design de Produção: Jim Clay, Geoffrey Kirkland.


O cinema é uma forma de olharmos para o mundo. E esse olhar, mesmo quando parte do exercício cinematográfico como adaptação, leva doses de um trabalho que derruba uma parede a mais em nosso modo de vermos um filme. Essa camada é composta de uma série de elementos que vão desde a perícia com que direção e a estória se imbricam na potencialização da experiência do cinema. Da união desses elementos é que surgem obras como “Filhos da Esperança” (2006). Dirigido pelo realizador mexicano Alfonso Cuarón, o longa se passa em 2027 e conta a estória de um mundo caótico onde há cerca de 18 anos atrás uma onda de infertilidade atingiu as mulheres em todo o planeta. Desde então, nenhuma nova criança fora gerada nesse intervalo de tempo. Em meio a isso, um ativista inglês chamado Theon Faron (Clive Owen), tenta transportar uma milagrosa mulher grávida a um santuário fora da cidade de Londres.


Baseado no romance da escritora inglesa P. D. James, Filhos da Esperança é um daqueles trabalhos que conseguem se construir na base certeira do equilíbrio. Na modulação exata do filme que extrai para sua base a estória escrita em forma de romance e se expande a partir dos códigos que só o cinema detém como uma arte de linguagem. Falamos das maneiras que a arte fílmica tem de colocar seu fazer na prática, ou naquilo o que ela dá por meio de seu suporte primário: a imagem. E no filme, Cuarón vai além da exposição naturalista das ações que compõem a obra na sua totalidade. Ele se vale das elipses como sínteses imagética que apresentam os fatos de forma muito condensada mas extremamente precisa. Numa sequência de 5 minutos, ele coloca toda a questão que norteia a trama: numa realidade distópica¹, a humanidade deixou de gerar novos seres humanos. Dado o conflito, ele insere as personagens na mesma lógica. Não precisamos saber do passado de Theon ou da gestante que passa a representar uma espécie de nova e única esperança da humanidade. Esse é um ponto interessante porque ele nos leva à questão da lógica envolvendo personagens a partir da ideologia do star system. Na gramática cinematográfica, ela diz que falamos de heróis geralmente retratados por um casal com uma missão maior no filme. Mas em nosso longa, a carga de relevância do modelo se alia com o conjunto da obra e sua dimensão dramática como um todo. E, de fato, Filhos da Esperança é antes de tudo um filme dramático. Tenso, ele nos toma para dentro de si por meio de sua forma e conteúdo. Nesse ponto, falamos dos múltiplos planos sequência, como na angustiante cena da perseguição no carro de quase quatro minutos, aliada ao tema da violência que é tão inerente quando pensamos cenários distópicos. Além das atuações e criações de cenas sempre dentro de uma proposta bastante naturalista. Aqui, vale pontuarmos o trabalho do brilhante diretor de fotografia Emmanuel Lubezki (O Regresso, Birdman, Gravidade). Sua perícia vem das referências e na forma como conduz a estória na afirmação do cinema como uma arte que, é sim, iminentemente uma linguagem. E isso se evidencia desde os longos takes que revelam economia e perícia no olhar ou das frenéticas cenas de ação com o sangue que respinga na tela e nela permanece até que nosso olho o assimile e pense: não estamos mais em um filme. Realizado há quase 15 anos, Filhos da Esperança foi o quinto entre sete longas metragem já realizados por Cuarón e deixa uma semente de um cinema que, mais do que contar estórias, inquieta e nos põe um estar reflexivo acerca das diversas formas que nosso futuro pode vir a ter em função de um tempo de intolerância, cerceamento de direitos e da violência que sufoca o mundo todo ao longo de nossa história. 1 – A distopia é o pensamento, a filosofia ou o processo discursivo baseado numa ficção cujo valor representa a antítese da utopia ou promove a vivência em uma “utopia negativa”. As distopias são geralmente caracterizadas pelo totalitarismo, autoritarismo, por opressivo controle da sociedade.

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