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Eu, Daniel Blake: O cinema como grito de humanidade


Imagem: BBC Films

Direção: Ken Loach. Laura Obiols Roteiro:Paul Laverty. Fotografia:Robbie Ryan. Som:Ray Beckett: Rebecca O`Brien. Música: George Fenton. Montagem: Jonathan Morris



O cinema é um ato político. E, considerando o atual cenário que se desenha em todo o mundo, o papel da cinematografia contemporânea tem total legitimidade de se afirmar através de estórias cada vez mais sólidas e emergentes. E é desse impulso emergencial que surgem obras de fôlego e relevância como as que encerram um filme como o excelente “Eu, Daniel Blake” (2016).


Após sofrer um ataque cardíaco e ser desaconselhado pelos médicos a retornar ao trabalho, Daniel Blake (Dave Johns) busca receber os benefícios do governo, mas esbarra na extrema burocracia dos departamentos estatais. Numa de suas idas aos equipamentos governamentais, ele conhece e passa a ajudar Katie (Hayley Squires), uma mãe que sozinha toma conta de seus dois filhos e que também não possui condições financeiras de se manter.


Dirigido pelo veterano realizador Ken Loach, o longa nos leva para dentro dos conflitos e complexidades que a contemporaneidade nos coloca diariamente. Num contexto de alta recessão em todo o mundo, o filme se volta para a realidade de uma Inglaterra não idealizada. O desemprego, a pobreza e a severa repressão dos direitos sociais são as matérias primas que o realizador usa pela vertente do discurso, ou do conteúdo como possamos entender o argumento.


E nisso a estória nos fisga. E, enquanto brasileiros, difícil não nos encontrarmos nas situações vivenciadas por essas personagens. Quantas Katies e Daniels existem nas diversas regiões do Brasil? Inúmeros. Daí reside a esfera de emergência dessa obra.


De um trabalho que fala dos problemas e desafios que pessoas comuns têm enfrentado cotidianamente frente às barreiras que a fragilidade da economia de mercado (leia-se o sistema capitalista) nos coloca, aliada à falta de respeito com que o Estado se dirige aos cidadãos que, contraditoriamente, deveriam ser a base das ações da máquina estatal ao redor do mundo.


Por isso que Loach certamente decide iniciar o longa com uma tela preta. A nossa frente vemos por cerca de dois minutos e meio apenas o diálogo entre Daniel e a médica que o atende no centro hospitalar. O diretor escolhe a ausência da imagem como prólogo para uma estória calcada numa proposta de cinema naturalista em forma e conteúdo.


Em técnica, temos uma estrutura fílmica que se desenvolve no acompanhamento do cotidiano dessas personagens. Loach dispensa o uso da narrativa capitular e isso reforça bastante o conceito de uma estória de ficção inteiramente espelhada na realidade. É uma saudável discussão sobre o que poderia vir a ser o cinema verdade desenvolvido neste século. No centro da discussão, claro, estaria a câmera.


Mas, que câmera é essa contida em “Eu, Daniel Blake”? Inicialmente, ela está bem próxima de nós e dos personagens da estória. É o nosso olhar sobre o dia-a-dia desse cidadão de meia idade que só tem a si próprio e se agarra com todas as forças à sua índole de não desistir da vida frente às dificuldades que surgem no meio do caminho. Ela é ferramenta que dá a ver essa ficção que, na verdade, traduz a realidade e corta todo conceito de interferência maquínica na modulação da realidade. Ela dá a ver a realidade.


Porque, sim, pessoas estão morrendo em todas as partes do mundo. Seja pela ignorância da intolerância religiosa, pela busca desenfreada pelo poder, pela corrupção (que engole países promissores como Brasil e China) ou pela absurda burocracia e falta de respeito nas relações do Estado com seus cidadãos.


Esse é o grito com que Loach nos alerta com seu fundamental “Eu, Daniel Blake”. Um filme que soa como contextual de um determinado tempo. Tal qual o que vivemos na atualidade. Mas, que, na verdade, é uma obra que canta o atravessamento dos desafios que a contemporaneidade nos aponta sistematicamente.


O filme é um grito por mais humanidade nas nossas relações porque sem isso todos nós estamos perdidos. E a arte, nesse contexto, assume seu papel primordial de assegurar nossa reflexão sobre nosso tempo, nossos dias.







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