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Estrada para Ythaca: um brinde à amizade

Atualizado: 6 de jul. de 2021


Direção, Produção, Roteiro, Fotografia, Som e Montagem: Ricardo Pretti, Luiz Pretti, Pedro Diógenes, Guto Parente. Figurino: Lia Damasceno, Themis Memória. Música: Uirá dos Reis, Luiz Pretti.



Uma década nos separa do lançamento de Estrada para Ythaca (2010). Mais que isso, na verdade. No início de uma nova década desse segundo milênio, a cinematografia cearense encontrava, pelas proposições levantadas pelo longa, um novo tempo para nosso estar artístico no mundo. Já não éramos (como não mais o somos) representações das estorias de cangaço, das aventuras dramáticas pelo semiárido nordestino. Não somos mais.


A muito devemos aos mestres do cinema de outros tempos. Mas um novo tempo se colocava há uma década atrás. E esse contexto é parte do mote que motivara os impulsos desse grupo de quatro amigos enlutados que acompanhamos na trama do filme. Essa jornada para um lugar mítico e desconhecido não se desenha por acaso, muito embora a decisão de ir à Ythaca surja quase que num rompante. “Vou pra Ythaca”, diz um dos personagens. E assim a viagem começa.


Por isso, olhando pelo retrovisor da nossa história, podemos dizer que a obra é certamente um dos mais importantes épicos da cinematografia cearense e nacional dos últimos 10 anos. Mas esqueçamos a ideia da produção solene ou suntuosa, característica da escala industrial hollywoodiana ou mesmo brasileira. Tudo evoca o micro aqui. Do mesmo modo, esse sentimento de negação, devaneio, delírio e resistência, permeiam todo o filme nas suas 1 hora e 10 minutos de duração.


Breve, a própria ideia do longa-metragem que não se estende surge também como um ato político. Tudo o que precisa ser dito (por meio da fala), ou visto (por meio da construção imagética) estão aqui. Para tudo isso vermos, no entanto, precisamos olhar para além do regime que o cinema tende a estabelecer para si. Esqueça o enredo, a necessidade dos personagens chegarem a algum lugar, assim como também a estrutura arquetípica de bem e mal.


Esteja aberto para todo dualismo possível na concepção dessa teia narrativa. Esse é o convite que “Estrada…” nos propõe. Dessa cinematografia que até pressupõe-se destituída de planejamento, mas que, em verdade, se estabelece exatamente pelo seu grau máximo de concentração das referências e vivência de seus realizadores, seus artistas. Tudo é proposição aqui e nos encaminham para um universo de citações e afeto à arte do filme, do vídeo e da vida.


Não há como duvidarmos disso vendo Júlio (Ythallo Rodrigues) emulando a própria figura de um Glauber Rocha dentro de um filme do Dizga Vertov. De repente, estamos dentro de Vento do Leste (1970). E uma decisão deverá ser tomada. Já sabemos qual caminho nossos heróis decidirão. Mas ver a reconstrução da figura daquele homem nesse caminho de duas vias tem um poder tão grande que apenas a cinematografia é capaz de dimensionar. Mas por que isso? Por que retomar esse lugar?


Porque nossa memória talvez seja uma das maiores armas que podemos usar contra a ignorância. Interessante pensarmos que, naquele ano de 2010, os desafios daqueles que se atreviam a fazer arte eram atravessados por algum sopro de esperança, de modo geral. Você se lembra de 2010? Estávamos no segundo mandato do governo Lula. Todas as projeções mundiais apontavam o Brasil como uma das 4 maiores potências no próximo intervalo de 7 anos.


O que aconteceu conosco? Aonde fomos e o mais importante: como chegamos a esse ponto em 2020? Os caras, obviamente, não tinham resposta a essas considerações. Adirley Queirós e Tiago Mendonça rascunharam isso em 2011, a propósito. O curioso, portanto, é esse “possível fabular”. Por isso a dimensão épica citada anteriormente, entendem? “Estrada…”, entre tantas coisas, pode ser também sobre esse sonho do exercício da cinematografia destituída de toda e qualquer amarra.


Ele é essa materialização de uma intuição coletiva, como diz Ricardo Pretti, tão cara à própria existência e manutenção do Alumbramento - seja enquanto coletivo ou a partir dos trabalhos de seus realizadores responsáveis. Estamos diante de um cinema selvagem, solto e sem linguagem, é verdade. A intenção é ser parte constitutiva dessa janela artística transparente e aberta para o mundo. Potente e que agrega, inclusive, toda a contradição e confluência dos seus autores nas suas mais distintas formas de ser.


Um brinde à amizade, à vida e à potência criadora do audiovisual.



Assista ao filme na íntegra, abaixo.




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