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Control: O cinema em que se incorpora a contradição


Direção: Anton Corbijn. Roteiro: Deborah Curtis, Matt Greenhalgh. Produção: Iain Canning. Fotografia: Martin Ruhe. Montagem: Andrew Hulme. Música: New Order. Direção de Arte: Philip Elton, Tim Stevenson.


Control (2007) é um daqueles exemplos na cinematografia onde os limites do drama biográfico e o musical, enquanto gênero, se ambientam harmoniosamente na construção de um filme bastante singular. Econômico, coeso, referencial e honesto, o primeiro longa-metragem do veterano Anton Cobijn é um recorte brilhante da meteórica vida e carreira de Ian Curtis, músico e vocalista da banda de pós-punk inglesa Joy Division.

O filme é um perfil de Curtis e acompanha seus dias passando pela criação do grupo e sua consolidação, até o suicídio do músico aos 23 anos de idade em 18 de maio de 1980. As escolhas pessoais, profissionais e da vida afetiva do personagem são apresentadas, portanto, muito sobriamente. Sem excessos, Cobijn, constrói um filme livre de qualquer maniqueísmo na representação da figura de Curtis.

Primeiramente, em função da sua escolha em não sacralizar a imagem do personagem. Aqui, vemos um Ian brilhantemente interpretado por Sam Riley, e cujos problemas de perspectivas internas são colocados em cena sem que nosso olhar ,enquanto espectadores, seja guiado ou influenciado impositivamente. O músico é protagonista, mas não em uma perspectiva inefável.

Ou seja, o Curtis que vemos em Control é falível. Aqui, ele é o personagem que, em função dos seus conflitos pessoais, se distanciava daqueles a quem devia amor, como sua esposa, Debbie Curtis (Samantha Morton). Temos um personagem apático e confuso. Ele é o antagonista do seu próprio protagonismo dentro da estória. Não é vítima, nem vilão. Ele é pós-moderno, e por isso filho de um tempo de contradição. Operando numa escala muito linear na qual o filme certeiramente se guia.

Falar disso é importante porque denota a prática de um cinema que não exime seus caracteres de um estar iminentemente contraditório. E mais ainda, que permite ao espectador montar seu juízo de valor sobre aquilo o que ele vê em cena. Pensarmos isso é vital para a fuga de um cinema medíocre que tente, seja pela técnica ou pelo sentido, alienar o olhar do público. E a possibilidade de um drama biográfico cair, intencionalmente ou não nesse buraco, é sempre alta.

Os recentes longas que retrataram a vida de Steve Jobs, sobretudo o questionável “Jobs” (2013) de Joshua Stern, são um péssimo exemplo disso. De uma representação da biografia imersa em problemas, como a busca pela idealização do biografado enquanto uma figura que temos de comprar como “herói” em sua posição. No Brasil, isso ficou nas mãos do questionável Polícia Federal: A Lei é para Todos (2017), de Marcelo Antunes e a sacralização dos agentes federais ali representados, por exemplo.

Por outro lado, a autenticidade de Control é atestada também pelo elemento proximidade. Pela imersão que Corbijn teve junto ao Joy Division e pelo fato de ele mesmo ter sido um amigo pessoal de Curtis e dos demais membros da banda. Como fotógrafo do grupo pelos anos em que estiveram na estrada, o cineasta teve embasamento e discernimento de colocar na tela as memórias que coletou, somado à biografia escrita por Deborah Curtis, esposa de Ian e o roteiro de Matt Greennhalgh.

Na tela, o resultado foi um filme irrepreensível. Com uma fotografia em Preto e Branco magnífica e que se encaixou bem na representação desse mundo cinza em que Curtis estava imerso. Essa morbidez, entretanto, não toma o trabalho de assalto. Há sim uma camada dramática muito forte, principalmente nos momentos das crises de Ian e Debbie, por exemplo.

Mas há igualmente personagens como o empresário da banda, Rob Gretton, interpretado pelo divertidíssimo Toby Kebbell, e que funcionam muito bem como alívio cômico da trama, modulando sequências de maior tensão com as de menor pressão dramática. Por isso, o filme passeia bem na tríade (drama biográfico-musical com variações tonais cômicas).

Apesar de ter sido dirigido por um profissional do audiovisual que operou sua carreira muito mais a partir de trabalhos em vídeo clipes, Control nem por isso se torna um filme enviesado. Ou que se utiliza da influência da música pop como alavanca narrativa. Não. Corbijn pontua muito parcimoniosamente cada canção escrita por Ian para o Joy Division de modo a tornar cada letra um elemento fundamental para o desenvolvimento da estória. Onde uma composição diz respeito e é representada no longa como uma peça que impulsiona e contextualiza a narrativa do filme.

Por essas e por tantas outras razões é que Control é, sem dúvidas, uma das obras mais viscerais e completas no terreno da biografia no cinema. Ela não se aprisiona numa classificação de gênero. E incorpora o que de melhor a cultura pop e a arte cinematográfica têm na construção do cinema como uma das mais potentes formas de expressão artísticas.

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