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Bohemian Rhapsody: como olhamos o mau filme que nos olha?

Atualizado: 5 de set. de 2023


Direção: Bryan Singer. Roteiro: Anthony McCarten, Peter Morgan, Anthony McCarten. Montagem: John Ottman. Direção de Fotografia: Newton Thomas Sigel. Design de Produção: Aaron Haye. Edição de Som: John Warhurst, Nina Hartstone. Música: John Ottman. Mixagem de Som: Paul Massey, Tim Cavagin, John Casali.


Os maus filmes também têm um papel importante no macrocosmos do cinema. Eles nos ajudam a perceber as particularidades existentes entre as obras que pensam e repensam o exercício cinematográfico e aquelas que limitam – se a caricaturar estórias, ideias e situações que a embasam. São inúmeros os exemplos de filmes que questionam a capacidade de entendimento do espectador ao mesmo tempo em que constroem – se sob o condicionado e seguro prisma do lugar-comum. O cinema americano, apesar de fundante quando discutimos a cinematografia como linguagem, leva consigo o mal espectro desse cinema limitado. Bohemian Rhapsody (2018) é um desses fatídicos exemplos.

O filme conta a história da banda de rock Queen e do seu vocalista Freddie Mercury (Rami Malek) ao longo dos anos 1970 e 1980. Em linhas gerais, o longa dirigido por Bryan Singer, pode ser resumido nessas duas linhas. A pouca profundidade que a sinopse deixa ver é a mesma que observamos na obra em seus 134 minutos de duração. Os seus primeiros cinco minutos nos anteveem eventos que ocorrerão mais especificamente em seu terceiro e último ato. Neles, vemos Mercury se preparando e deslocando-se para o Wembley Stadium, local onde a banda faria sua icônica apresentação durante o Live Aid em 1985.

Uma construçãoIn Medias Resnos mostra que estamos diante de um filme fragmentado, certo? Errado. Esse pequeno excerto que introduz o longa e seria uma espécie de ponte que conectaria a narrativa através do período de ascensão, interrupção e retorno da banda, na verdade, não se consolida. A própria estrutura fílmica, nesse caso, acaba sendo negligenciada pela sua montagem. Afinal, quais os eventos que levaram a banda àquele evento mostrado no prólogo da estória? Nós até somos apresentados a esses acontecimentos, mas eles são reconstituídos de uma forma preguiçosamente clássica.


Ou seja, não há uma ideia de fluidez no encadeamento de cada sequência ou momento histórico por que a banda e seu líder passavam. Essa displicência na disposição lógica da estrutura do filme se explicita exatamente na ausência de elo entre os atos. Na sequência de abertura, vemos Freddie acordar, sair de casa até chegar na entrada do palco onde o Queen se apresentaria durante o Live Aid. Esse é o momento climático da trama e por isso mesmo toda a atenção teria de ter recaído nesse momento. Aqui, o prólogo e o clímax se encontrariam, mas não se encontram em função de uma montagem negligente.

As duas sequências, a propósito, deveriam se complementar. Ao invés disso, a tomada deste terceiro ato repete a construção do prólogo, com algumas pequenas diferenças em determinadas cenas. No prólogo, Mercury passa pelo corredor que dá acesso ao palco principal sozinho. Mas na versão final da sequência clímax, vemos toda a banda bem atrás do líder da banda. Logo, temos duas cenas que deveriam representar um mesmo momento, mas que sofre uma visível variação em termos de perspectiva da posição de onde o espectador vê o protagonista. Em um primeiro momento ele está só, mas em outro momento do filme para a mesma situação, há outras pessoas ao seu lado.

Essa é apenas um dos inúmeros equívocos que deslegitimam Bohemian Rhapsody como um filme de referência em 2019. Se há algum tom referencial nele, esse é relativo àquilo o que não se deve fazer em termos de montagem fílmica, por exemplo. Mas isso também prova o quanto os problemas ocorridos durante o processo de filmagem afetaram o longa enquanto produto final. Há uma clara cisão entre os tons do filme. A própria falta de uma linha temática o enfraquecem, tornando-o não mais que um apanhado de capítulos de como algumas das canções do Queen foram realizadas. Sinceramente, para se fazer um musical e sobretudo uma cinebiografia é preciso muito mais que isso.


Afinal, sobre o que é esse filme? É a estória de um astro da música? É sobre o desafio de lidarmos com as diferenças nas nossas relações? Talvez. O fato é que, sob a direção de Bryan Singer – demitido durante as gravações do filme em função de uma denúncia de estupro em que se envolveu e substituído em seguida por Dexter Fletcher – o longa nada mais é do que um filme de banda ancorado no peso que os seus biografados têm na história da música O descompasso entre aquilo o que é conceito e forma o marcam negativamente como mais um exemplo de narrativa cujo potencial estava contido nela mesma, mas que não fora trabalhado em função da inabilidade de uma produção superestimada.

Assim como lembra o colega Arthur Tuoto, o embate entre a perspectiva iconoclasta e a abordagem purista dentro do cinema ditam parte da experiência cinematográfica contemporânea. E se enquanto o cinema iconoclasta busca desafiar o formato audiovisual questionando a natureza das imagens contemporâneas; a veia purista busca preservar um ideal de cinema em que o formato é um dispositivo que resguarda uma certa maneira de se fazer tal arte. No meio desse caminho, onde ficam ou estão esses filmes que transitam entre conceitos?

Apesar de todos os problemas que podem os acompanhar, essas obras encontram-se em uma via de modulação. Desse cinema que conserva um formalismo na sua base funcional, mas que agrega o uso das tecnologias como uma janela para possibilidades no desenvolvimento de narrativas ainda que clássicas. No caso de Bohemian Hhapsody, a Computação Gráfica (CG) reforça muito mais um ideal de produto-espetáculo do que uma aposta em uma construção de base mais experimental.


Ou do filme histórico que acaba incorporando o recurso tecnológico do efeito visual a fim de diminuir os esforços que a realização cinematográfica de origem mais orgânica geralmente demanda. Bryan Singer recria um estádio inteiro e parte do seu público por meio do CG e filmando em digital. Ao passo que James Gray (Z: A Cidade Perdida - 2016), por exemplo, viaja para as matas da Amazônia para recriar, usando filme de 35 milímetros, uma estória dos anos 1920. A decisão recai muito sobre o que o autor intenta e isso é o que, na maioria dos casos, diferem os cinemas iconoclastas em suas variações e os puristas em sua gênese quase imutável.

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