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A Mulher Que Fugiu: a repetição da vida como extensão possível do cotidiano



Direção: Sang-soo Hong. Roteiro: Sang-soo Hong. Montagem: Sang-soo Hong. Direção de Fotografia: Kim Su-min. Produção: Sang-soo Hong. Som: Seo Ji-hoon. Música: Sang-soo Hong



Um exercício de atomização narrativa. Partir desse fiapo narratológico quase improvável (dada sua natureza tão banal) é uma das maiores potências da experiência do cinema de Hong Sang-soo. A exemplo de tantos outros filmes da sua carreira, A Mulher Que Se Foi (2021) parte dessa dinâmica microcosmica para explorar a universalidade contida nos meandros das relações na contemporaneidade.


Por isso que a ideia da repetição, aqui, ocorre apenas como pano de fundo no reforço de toda uma gama de complexidades contidas nessa representação do cotidiano. O diálogo não é apenas ilustrado em cena. Ele é temático e prático. Não está a serviço de uma constituição meramente expositiva. Há algo de espontâneo e improvisado nele. Por isso soa tão naturalista, banal e descompromissado com qualquer efeito melodramático, até.


Portanto, o filme também é isso. E somente por essa veia dialógica ele parece possível. Não há nada de mirabolante nessa estrutura que o realizador propõe. Tudo está dado, na verdade. Os dispositivos são diversos e revestem a obra como um todo. Mas isso não implica, necessariamente, numa concepção extraordinária no modo como a obra é construída. Tudo se dá por meio de uma estrutura em blocos, quase capitular poderíamos dizer.


A chegada, a conversa, o alimentar - se, o observar - se, bem como o ato de contemplar, partir e retornar, são uma espécie de tônica consensual na construção dessa atmosfera ultrarrealista.

E o mais bonito de tudo isso é o modo como Sangsoo lança mão desse sistema para criar uma espécie de perturbação narratológica que é tecida de modo velado diante da nossa posição espectatorial. Sabemos estar diante de uma filme de ficção, mas ao mesmo tempo caímos inevitavelmente nesse positivo jogo desse cinema pautado na dramaturgia e no improviso que a cena pode vir a ser.


Toda a ideia das cenas no longa parece muito natural, calcado numa impressão de representação da realidade inequívoca. Ao mesmo tempo em que o movimento de câmera, aqui definitivo, rompe a ideia do maquinismo tecnicista da cinematografia na intenção de dar conta de modos alternativos desse "contar".


Interessante como a decupagem das sequências por meio do corte entre cenas, muitas vezes, é feita em tempo real. O take se subdivide mas não se rende à estética ultrarecortada do plano e do contraplano.


Essa lente que vem e vai, que recua e avança, assim como compartimenta o que vemos em quadro, é a mesma que nos insere nesse jogo dessa realidade representada. O universo da ficção esta posto em tela ao passo que essa câmera o tempo está nos lembrando que estamos apenas diante de mais um filme.


Será? Esse é o jogo do cinema enquanto arte. Desse fazer incomparável, por essa mesma razão. O exercício da cinematografia contemporânea se revela como um gesto investigativo da repetição. Não como a proposição de algo feito e refeito infinitas vezes sem distinção entre os filmes. Ver um Hong Sang-soo não significa que você verá sempre o mesmo trabalho. Mas sim, uma extensão da sua obra.



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