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A Idade da Terra: ou o cinema onde nada é


Direção: Glauber Rocha. Roteiro: Glauber Rocha, Castro Alves. Produção:Wilson Mendes Andrade, Carlos Alberto Diniz. Fotografia: Pedro de Moraes, Roberto Pires. Montagem: Carlos Cox, Ricardo Miranda, Raul Soares. Design de Produção: Raul Barbosa. Direção de Arte: Nilde Goebel. Música: Rogério Duarte.


Alegoria e desnaturalização. O cinema de Glauber Rocha é atravessado (e feito) de uma infinidade de conceitos e vertentes. Em A Idade da Terra (1980), encontramos uma espécie de trabalho em definição, para nos contrapormos à ideia de obra definitiva. Ainda assim, a lógica artística e crítica glauberiana pousa no filme como um testamento das intenções do realizador, não apenas enquanto artista interessado nas investigações da linguagem, mas sobretudo enquanto um cidadão em estado de inquietude permanente.


Organicamente falando, o longa (último lançado pelo diretor antes da sua prematura morte em agosto de 1981) parte de uma premissa alegórica e hipnótica. Ao todo, ele é formado de 6 longos atos que juntos, constroem um mosaico que apresenta uma perspectiva do que seria esse contexto terceiromundista de uma nação em perpétua (re)construção.


Esse movimento é assinado fortemente por uma premissa também marcada por um forte dualismo nos seus modos de representação. Essa é uma palavra que se re-energiza quando lidamos com projetos tão densos quantos os propostos por Glauber. Aqui, o cinema é tudo e nada é. Ele se torna uma potência inominável daquilo o que a gramática ou mesmo a linguagem já não dão conta mais. Aonde ir, então?


O plano, ou ao menos a sua concepção, é estraçalhada em função de um fazer cinematográfico que abandona e se fortalece no seio dos seus próprios códigos. Afinal, o que é a longa e ultra composta sequência de abertura? É um convite para a entrada ou a saída emergente do filme que transpassa a noção do ato de se encenar. Olhar para a tela é, nesse sentido, sair de dentro dela quase que espontaneamente.


Daí as abruptas, recorrentes e iconoclásticas proposições de se interromper (ou seria emendar?) a construção de cena em curso. A explosão de cores - aqui importantíssimas para a sedimentação da ideia desse cinema de vertentes também tropicalista e nacional - juntamente com as intervenções da montagem entrecenas e do próprio realizador (Glauber dá orientações e entra no filme por diversos momentos) são uma das sínteses-chave dessa cinematografia que não caberia mais no eixo narratológico hegemônico.


Quatro são os heróis a acompanhar. Do mesmo modo que também são os arquétipos desse Deus metamórfico e sincrético. Ele é militar, branco (revolucionário), é índio e é negro. Ele é todos e assume a identidade da possibilidade dramatúrgica de uma arte que deve se reconhecer muito grande para se caber dentro de um modelo pré-estabelecido no modelo audiovisual. O movimento não é o da recusa, é importante lembrar. Os heróis glauberianos fizeram uma escalada de 1962 a 1980.


Em Barravento (1962), Firmino (Antônio Pitanga) não nasce barroco. É figura simples, de falas simples e desejos concretos. Até chegarmos aos Cristos múltiplos, toda uma estrada de experimentações foram pensadas e executadas sempre em consonância direta e consequente às próprias transformações por que o Brasil, a América Latina e o mundo passaram. Por isso se diz da universalidade da cinematografia de Rocha e do quantos seus personagens remontam um ideal direto e inequívoco do modo como ele mesmo olhava para o passado, o presente e o futuro diante dele.


Enquanto “obra final”, “A Idade” se eleva no lugar do ápice de experimentalismo na forma e na reflexão acerca do sentido daquilo para que se serve um filme. Nos limites das fronteiras entre o entretenimento e o despertar crítico do olhar do espectador, a matéria fílmica precisa encontrar seu lugar. Em Glauber, ela é a ruptura de todo e qualquer modelo de representação alinhada a proposta de cinematografia de caráter industrial. Interessante como esse enfrentamento/recusa extrapola o discurso.


Está impresso na tela. Ressoa no enquadramento da marca de bebidas norte-americanas como plano de fundo à tomada de uma personagem estadunidense enquanto síntese de um “modus vivendi” tóxico e próprio de uma experiência hegemônica primeiromundista. O dualismo na forma de se reimaginar o mundo parte disso. E se a película se torna um testamento, o realizador se interprojeta nela mesma de fato. No início, pela voz em extraplano. Ao final, pela fala em primeiríssimo plano. O dizer quase de caráter emergencial conclama não a dissidência vazia.


Repleta de sentido, ela evoca uma proposta inequívoca do cinema como arte total. Uma ferramenta para a reconstrução de ideais a serem retomados e na retomada de posições ainda sequer alcançadas. Caminhada essa não livre da centelha da contradição. Voltamos ao dualismo, entende? O mundo, segundo Glauber Rocha não era sobre rompimentos, uma vez que assim como Pier Paolo Pasolini (1922-1975), sua crença era no entendimento do sagrado contido neste (considerando a perspectiva marxista da vida, obviamente).


Viva Glauber Rocha e tudo o que em seu cinema e sua arte há.


Assista ao filme completo aqui.




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