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A Favorita: Uma estória de afetos sem limites


Direção: Yorgos Lanthimos. Roteiro: Deborah Davis, Tony McNamara. Design de Produção: Fiona Crombie. Fotografia: Robbie Ryan. Montagem: Yorgos Mavropsaridis. Música: Nick Payne, Sarah Giles.



Quando a cartela inicial da Fox Searchlight aparece nos primeiros 15 segundos de A Favorita, não ouvimos a tradicional música-tema usual nas suas produções. Em vez disso, ao fundo, uma trilha sonora composta por cantos de aves, barulhos de folhagens e burburinhos distantes nos ambientam para a nova comédia dramático-biográfica de Yorgos Lanthimos. Portanto, não estamos diante de um filme clássico, considerando a experiência do cinema de época Europeu ou norte americano. Mas que tipo filme é esse então?

Na Inglaterra do início do século XVIII, uma frágil rainha Anne (Olívia Colman) ocupa o trono e sua amiga mais próxima, Lady Sarah (Rachel Weisz), governa o país em seu lugar. Quando uma nova serva, Abigail (Emma Stone), chega no reino, seu charme a leva a Sarah. No embate entre essas duas figuras, só haverá espaço apenas para uma delas.


Em linhas gerais, o filme se ambienta enquanto drama histórico mas seu objeto maior de investigação parece ser verdadeiramente os conflitos e contradições dos relacionamentos interpessoais. Nisso, sua atenção volta-se para a tríade formada entre Anne, Sarah e Abigail. São três personagens de natureza distintas, mas que vez ou outra cruzam certas linhas em comum, como as formadas por sentimentos como a dissimulação, a manipulação e a auto sabotagem. Mas cada um desses elementos são trabalhados no filme como ferramentas que nos ajudam a desvelar essas mulheres.

O que o roteiro assinado por Deborah Davis e Tony McNamra faz é apresentar os eventos da narrativa em torno essas personagens como se elas estivessem numa espécie de “ampulheta dramática”. Ou seja, se durante os três primeiros capítulos somos apresentados à Abigail enquanto uma personagem de pouco prestígio, a partir do quarto ela se aproxima da rainha e inicia uma escalada de ações contra Lady Sarah visando tomar sua posição junto à realeza.

Apesar desse senso de ambição, é interessante como o filme não estereotipa essas mulheres, ou tenta julgá-las ante suas ações visando moldar o olhar do espectador. Elas, na verdade, são as protagonistas da estória, apesar da aura de decadência, austeridade e amoralidade que as rondam permanentemente. E nessa reflexão que o filme incita acerca do que é certo ou errado, é interessantíssimo ver a inversão de papeis e posições entre Sarah e Abigail.

Tal movimento pendular parece ser uma constante em diversos filmes lançados nos últimos cinco anos. Como uma frutífera tendência de narrativas que se dividem muitas vezes em dois blocos narrativos. E onde seus personagens por vezes trocam de lugar/posição ou onde a própria diegese, que é o conceito relativo à dimensão ficcional de uma narrativa, sofre uma mudança. Em A Favorita, entretanto, essa inversão se limita às suas personagens e às transformações por que elas passam.

E se durante os dois primeiros atos do filme temos a impressão de que Sarah seria a “vilã” da estória, essa percepção se altera à medida que notamos a ascensão de Abigail, que de “mocinha”, se revela uma “algoz”. Mesmo com essas mudanças de prismas, vale ressaltar a sensibilidade de Lanthimos ao criar múltiplas camadas para cada uma dessas três mulheres. Elas são multidimensionais, portanto, não se enquadram em um perfil facilmente notado em obras de frágil construção dramática e abordagem maniqueísta.


A real intenção do filme não é a de nos fazer torcer ou acompanhar determinada personagem. Há, na verdade, um sutil convite a observarmos o quanto uma propensa antagonista pode chorar em reflexão dos atos que ela toma em prol dos ideais que acredita. O filme nos mostra isso pela solitária lágrima que escorre dos olhos de Abigail no instante em que ela reflete as decisões tomadas até ali.

Tudo isso nos mostra o quanto A Favorita é uma forte estória de afetos sem limites. Naquela corte, algumas pessoas acreditam que o amor, por exemplo, deveria ter um ponto final; outras não. Algumas delas aceitam o amor que acreditam merecer, outras abrem mão do sentido de moralidade assumindo as consequências dos seus atos no presente na tentativa de fugir de uma vida de agruras em um futuro próximo.


Mas o que esse filme nos deixa é a ideia de que nem sempre o alcance dos objetivos diz respeito à ventura de uma vida traçada pela honra e a dignidade. E no fim, você apenas se torna o objeto que alguém acima de você precisa para se apoiar. E se isso significa vencer, então Lanthimos nos coloca uma reflexão muito pertinente sobre a real significação sobre vencedores e vencidos.

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