Direção: Hong Sang-soo. Roteiro: Hong Sang-soo. Produção: Hong Sang-soo, Lee Jeahan, Yoon-Seok Nam. Fotografia: Jinkeun Lee. Montagem: Sung-Won Hahm. Música: Dalpalan
Hong Sang-soo é um dos mais prolíficos realizadores do cinema contemporâneo. Dono de uma vasta filmografia com 23 longas metragens, o sul-coreano imprime um tom bastante particular no seu fazer cinematográfico. Há indiscutivelmente em suas obras um índice múltiplo de uma abordagem quase investigativa do humanismo e da manifestação de tudo o que é subjetividade nas personagens e situações dramáticas desenvolvidas em cada um de seus singulares filmes.
Em “A Câmera de Claire” (2018), acompanhamos o desenrolar da amizade criada entre Claire (Isabelle Huppert), uma professora e fotógrafa francesa e Jeon Manhee (Min-hee Kim), uma jovem sul-coreana que compõe uma comitiva de um importante diretor de cinema sul-coreano. Nas ruas da cidade de Cannes, estes personagens entrecruzam seus caminhos em uma teia improvável e lúdica legitimada pelos encontros e desencontros da vida cotidiana.
Estar diante do cinema de Sang-soo é antes de tudo um exercício reflexivo sobre a natureza do cinema e as vertentes que nos levam a uma condição dialética e a dialógica da vida. Esses dois polos parecem ser os pilares bases tanto em “A Câmera de Clair” quanto em diversos outros filmes do diretor. Aqui, entretanto, essa opção pela assertividade na criação e desenvolvimento das situações vivenciadas pelas personagens ganha um tom emergencial, mas que nada tem a ver com aceleração das situações interpretadas.
Pensar o tempo parece uma condição também relevante aqui. Porque a dimensão temporal no longa busca emular essa condição de uma cronologia fílmica pautada pela perspectiva naturalista que o filme traz consigo. Todos os eventos que vemos na tela parecem se desenrolar em um intervalo de duas noites, no máximo. E aí, a própria duração da projeção reverbera essa brevidade em sua própria natureza formal, visto aos efêmeros 69 minutos de duração que ela tem.
Dificilmente nos atemos às discussões sobre essa condição concreta do cinema. Afinal, o que faz um trabalho ser reconhecido nessa perspectiva? Teria a sua duração alguma relação com a sua qualidade e importância na história desta arte? Em Sang-soo essa parece não ser uma questão-problema. Em suas obras, cada uma leva o tempo, em termos de duração, de um modo bem diverso. De modo que elas independem de maior rigor cronométrico, estando pautadas, portanto, muito mais nas dinâmicas entre o rigor formal e de significado contida em cada uma.
Pois se em “Na Praia à Noite Sozinha” (2018) a narrativa leva 1h40min no todo, em “A Câmera de Claire” essa duração se resume 1h09min. Neste, diferentemente daquele, as sequências são menos estendidas, os diálogos seguem uma fluência já característica dos roteiros do diretor, mas há um sentido de “emergência” maior no desenrolar dos acontecimentos. Logo após a apresentações dos créditos iniciais, a primeira cena nos lembra muito uma construção episódica de alguma série já em curso. Somos jogados na ação.
Esse lançar-se no filme conserva também um interessante aspecto de praticidade na representação das estórias que o realizador aborda e conta. Muitos falam da veia industrial do fazer fílmico de Sang-soo. E o fato de ele chegar a lançar dois a três longas por ano endossa isso. Para a apreciação artística, entretanto, isso pouco parece importar, uma vez que são as obras que devem estar em primeiro plano. Nesse caso, por outro lado, é quando o exercício metalinguístico da sua filmografia se atesta.
Há sempre uma busca e investigação quase recorrente nos filmes do diretor e que retornam em “A Câmera...” Temos o cinema, a atmosfera das artes e do meio artístico, os egos dessa figuras, seus sentimentos inundados em um oceano de contradições onde o amor e a negação, por exemplo, se cruzam em distintas passagens. Apesar desse eterno retorno, dificilmente saímos de um desses filmes do modo como entramos. Não por escapismo ou algum sentimento autoindulgente que ele poderia (mas não o faz) nos incitar, mas por algo que se replica ou se completa na jornada que compreende o conjunto desses 23 longas metragens citados lá em cima.
Nas palavras do próprio Sang-soo, o processo de conclusão de um filme é relativo à superação de um obstáculo. “É muito bom para mim como ser humano, e espero que, para algumas pessoas, meus filmes façam a mesma coisa”. O lado positivo dessa reflexão é que, se o cinema dispõe de artistas com esse sentimento acerca do trabalho que desenvolvem, então a arte está vencendo. E o público, seja ele em suas dimensões passivas (não especializado) ou ativas (crítica), detém o prazer de partilhar essa experiência que o cinema é em suas mais potentes formas e sentido de ser.
Comments