Direção: Robert Eggers. Roteiro: Robert Eggers. Montagem: Louise Ford. Direção de Fotografia: Jarin Blaschke. Design de Produção: Craig Lathrop. Música: Mark Korven. Efeitos Visuais: Emily Switzer. Efeitos Especiais: Max Macdonald. Direção de Arte: Derek Connell, Andrea Kristof.
O cinema de terror é um dos gêneros mais antigos da história do audiovisual. Na recente trajetória contemporânea, temos percebido uma interessantíssima e vasto leque de filmes que usam a originalidade em forma e conceito na apresentação de narrativas bastante originais. É nesse sentido que o longa “A Bruxa (2016), é um ótimo exemplo disso.
Ambientado no ano de 1630, o longa conta a estória de uma família de camponeses cristãos que, após serem expulsos do vilarejo onde habitavam, decidem reiniciar a vida em uma localidade próxima de uma floresta. A pós o desaparecimento do filho primogênito, eles se veem presos em um círculo aterrorizante envolvendo magia negra, feitiçaria e possessões.
Partindo de uma densa sinopse, certamente um dos maiores êxitos do filme é o modo como ele foi pensado. E aqui, o designer de produção Roberts Eggers assina uma direção segura de todas as suas intenções. Econômico, o filme se desenvolve como que um conga metragem. Suas passagens rápidas, entretanto, em nada deixam a dever no que se refere à ambientação e contextualização dos eventos em que a trama se desenrola.
Isso é interessante porque o longa nos coloca a questão do quanto os formatos cinematográficos podem e devem ser constantemente reavaliados. Trabalhados em função não estritas à escala industrial, que é inerente do sistema, claro. Mas que não necessariamente deve pautar o fazer artístico inerente ao cinema em sua gênese.
Em A Bruxa há toda uma ambiência que se dá por meio da junção de códigos próprios do terror, mas que refutam paradigmas como os já desgastados “jump scares”, por exemplo. Temos as figuras dos monstros do gênero, mas eles surgem muito mais como inserts de imagens que não conseguimos aprender visualmente. É como se o filme trabalhasse sob a ideia daquilo que ele não mostra.
Vemos a figura da bruxa em alguns momentos mais pontuais, mas a sua inserção surge em envolta de sombras, uma trilha extradiegética* original e uma atmosfera de horror que o longa tece ao longo dos seus 92 minutos de duração. Há um clima mórbido que se solidifica a partir da figura desses personagens, das agruras por que passam na busca pela sobrevivência cotidiana de uma Europa seiscentista e seus contraditórios ritos que embricam fé e maldição, a busca pela salvação e o temor pelo arrebatamento do mal.
Essa derrocada humana é, de fato, a linha mestra que conduz o longa. Temos o protagonismo de Thomasin (Anya Taylor-Joy) e a viagem da narrativa é o caminho que a jovem faz contra os seus temores e os da própria família. Ou seja, essa figura faz um caminho inverso ao do herói que enfrentará seus desafios na busca pela redenção e o escapismo típico dos clichês românticos. isso mostra novamente como Eggers usou a pesquisa histórica como um fator decisivo para dar corpo a sua obra.
Ambientado no século XVII, o filme se pauta pelos códigos dos primários contos de fadas cujos finais, diferentes dos que conhecemos na contemporaneidade, diziam de narrativas com desfechos trágicos marcados pela morte das protagonistas e da inscrição de mensagens sobre vingança, medo, entre outros tópicos.
Apesar do escopo familiar, o filme acerta bastante em não ceder aos tópicos do melodrama. Ao contrário, investe na alternância entre o “gore” e uma abordagem mais visceral residente nos conflitos das relações interpessoais, por exemplo. Seu clímax, nesse sentido, nos remete muito àqueles mesmos contos que mencionamos anteriormente. Assim como nas narrativas pós-modernas da cinematografia do Leste Europeu e seu pessimismo que não obstante nos coloca em uma posição de incomodo e desconforto proposital.
Esse mal estar, por outro lado, é o índice máximo desse novo terror. Que se questiona enquanto gênero ao refutar as regras estabelecidas. E que se propõe pensar-se de modo diferente. Seja por meio de um design de produção que nos leve a crer estarmos numa sociedade do século XVII, seja pela fotografia lavada e suas camadas de cinza cuja morbidez se torna inquestionável. Afinal, o bom terror é aquele nos coloca também em questionamento junto àquilo o que achamos já saber acerca da experiência do entretenimento.
* No cinema, a diegese diz respeito a tudo aquilo o que ocorre dentro da ação narrativa ficcional de um filme. No caso do som, ele se torna extra diegético quando é percebido apenas pelo espectador da obra, não fazendo parte, portanto, da sua diegese.
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