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A Balada de Buster Scruggs: O cinema entre a confrontação e o testemunho


Direção: Ethan Coen, Joel Coen. Roteiro: Ethan Coen, Joel Coen, Jack London, Stewart Edward. Produção: Jillian Longnecker. Fotografia: Bruno Delbonnel. Montagem: Ethan Coen e Joel Coen (as Roderick Jaynes). Música: Carter Burwell. Direção de Arte: Mary Zophres



A Balada de Buster Scruggs (2018) é um filme escrito e dirigido por Joel e Ethan Coen. Dizer isso importa para traçarmos uma linha entre a equivocada ideia que nos leva, muitas vezes, a pensarmos nas obras como pertencentes à Netflix. Definitivamente, não. Aqui, coube a esta distribuidora de conteúdo audiovisual, adivinhem: a distribuição. O longa, que concorre ao Oscar 2019 nas categorias de Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Canção Original, e Melhor Figurino é uma obra autoral que celebra a força e magia do cinema de gênero, mais especificamente falando, do western, nosso velho conhecido faroeste.


A trama conta seis histórias de vida e violência no Velho Oeste, seguindo um pistoleiro cantor, um ladrão de bancos, um empresário ambulante, um velho garimpeiro, uma caravana que cruza o Oeste entre territórios Confederados e indígenas, e um enigmático par de “caçadores de recompensas”. Tratando-se de uma antologia formada por quatro estórias originais escritas pelos Coen e duas adaptadas de outros contos norte-americanos.

Há diversos elementos deste filme que o tornam um dos melhores trabalhos de 2018 e um dos mais sólidos westerns da última década. É uma obra extremamente referencial e honesta consigo e com as narrativas que lhe antecederam na linha do tempo do cinema. Ele claramente deriva muito de uma tradição do faroeste novecentista, cujo guia maior reside em nomes como os de Clint Eastwood e seu Os Imperdoáveis (1992), por exemplo.

A figura do livro sobre a mesa e a significação dessa narração que deriva de uma leitura impressa e documental, em muito retoma esse recorte temporal no gênero. Ou seja, na tradição do ato de se ler (escritos e o mundo). A trilha sonora suave tece um leve lamento entre histórias de esperança e tristeza. Os caracteres que introduzem os créditos iniciais sedimentam um tom nostálgico das já “antigas” letras com fontes largas e arredondas em muito utilizadas pela TV durante os anos 1990.


Mas o interessante em Buster Scruggs é notar que ele não se trata apenas de um apanhado de pequenos segmentos fílmicos no conjunto de um longa metragem. Ele é, em verdade, um filme cuja unidade depende e é formada exatamente pela costura temática entre os seus seis excertos constitutivos. Cada conto traz em si um elemento comum a outros segmentos da obra: a morte. O modo como os Coen trabalham esse tópico é o que torna suas abordagens únicas no exercício cinematográfico.


Eles recusam clichês e convenções autoindulgentes. Apesar de lançarem mão dos elementos do faroeste clássico como os cowboys, os cavalos, as vastas paisagens do oeste americano, os indígenas como uma ameaça ao homem branco, entre outros, os diretores buscam de alguma forma modular essa perspectiva mais conservadora de lidar com o gênero. Um dos modos percebidos nesta abordagem é a relação por eles mantida entre conceitos de confrontação e testemunho cinematográficos.


Os diretores adeptos da confrontação tendem a colocar o espectador diante daquilo o que o filme evidencia em cena. Ele reduz a ideia de extracampo em detrimento daquilo o que precisa mostrar, sejam lágrimas ou rajadas de sangue. Em “Buster Scruggs”, os Coen não poupam uma representação mais gráfica, onde o sangue está na tela. O personagem perde todos os 5 dedos da mão mas, ainda assim, há um gesto modular nessa construção que nos leva ao riso. Há o peso e a leveza em uma bizarra e brilhante mistura de situações.

Em contrapartida, os realizadores que adotam o estilo do testemunho, preferem mediatizar os acontecimentos. Eles acolhem a subtração como modo de repensar a exposição de cada cena, cada sequência em curso. O que importa, nessa abordagem é muito mais a ideia de sugestão, daquilo o que ficou implícito ou que a câmera, de algum modo, não conseguiu captar. Uma mocinha atira na própria cabeça mas não vemos o momento do disparo. Os Coen nos poupa do grafismo da imagem. Eles poupam a personagem, mesmo na tragédia. Seu pequeno cachorro sinaliza que há algo errado. Quando a câmera a capta, atestamos: ela suicidou-se a fim de evitar uma morte dolorosa.


Portanto, há uma benéfica construção de diferentes e divergentes tons no filme. E passados tantas décadas entre adaptações e mudanças nos tons que o western se submeteu, é sempre algo positivo atestarmos que o cinema de gênero resiste em uma chave criativa e referencial. Uma vez que, mesmo antes de ser uma obra dos Irmãos Coen, A Balada de Buster Scruggs revisita uma noção autoral construída por realizadores que sedimentaram esse tipo de filme ao longo do século XX.

De um cinema que tem as marcas de John Ford nas vastas paisagens do oeste e na epopeia da civilização a ser construída, assim como pela crueza de uma terra marcada pela violência e os conflitos, tal qual nos mostraram as narrativas de Sam Peckinpah e Sergio Leone. É claro, o público naturalmente aceitaria uma obra solo com um personagem como Buster Scruggs. Mas se isso ocorre, então, já não estaríamos falando do filme como uma experiência isolada, e cuja própria força depende do filme. Este, logo, se torna mercado em uma acepção limitada. Isso é que as franquias, infelizmente, neste século em sua maioria o são.

Mas o que se conclui é que, positivamente, Buster Scruggs se completa em si mesmo. Seus segmentos contam estórias que se completam nelas mesmas pelo exercício do bom cinema na aliança entre forma e conceito cinematográficos. Não se trata de preciosismo. Mas de entendermos que o bom filme persevera pela sua capacidade de experimentar e conservar bons dispositivos em favor de tudo aquilo o que ele é. Ele cede e provoca em uma maravilhosa dança com o seu espectador. E assim, os Coen nos tiram para dançar.

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