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1917: Cinésis de uma narrativa sem retorno

Atualizado: 27 de jan. de 2020


Direção: Sam Mendes. Roteiro: Sam Mendes, Krysty Wilson-Cairns. Produção: Callum McDougall. Fotografia: Roger Deakins. Design de Produção:Dennis Gassner. Música:Thomas Newman.


Olhando pelo retrovisor da história do cinema, um dado reluz fortemente: tudo, ou quase tudo, já foi dito dentro das quatro dimensões que a tela comporta. Partir desse ponto pode ser uma boa maneira de refletirmos sobre o mais recente trabalho de Sam Mendes, “1917” (2020).

Na trama, Schofield (George MacKay) e Blake (Dean-Charles Chapman) são dois jovens soldados que, no auge da Primeira Guerra Mundial, entram em uma corrida contra o tempo atravessando território inimigo para entregar uma mensagem que interromperá um ataque mortal a milhares de soldados - entre eles, o irmão de Blake.

Primeiro ponto a se destacar é que o longa está longe de ser somente um filme técnico e pronto! A técnica é forte nele, mas ela não é o condutor único da obra. A estória da narrativa é muito simples, mas não simplista. Essa é uma condição que difere bons trabalhos de projetos superestimados. Para além disso, a decisão de Mendes de simplificar esse enredo soa sensata quando consideramos exatamente o coeficiente estrutural desse projeto.

Em suas 1 hora e 58 minutos de duração, ele foi pensado para ser uma experiência fechada no próprio tempo. Para o próprio Mendes, fazê-lo a partir de um longo plano-sequência seria a melhor forma possível de contar essa estória. É claro que, ele não a fez em um único take. Há alguns cortes entre cenas em pelo menos uns cinco ou seis momentos. A dinâmica é percebermos isso, dependendo da nosso entendimento dos recursos da linguagem cinematográfica.

Para o espectador passivo, ou aquele que não tem o domínio sobre as particularidade do cinema e seus códigos específicos, o filme também cumpre algumas definições e um dos modos de aferirmos isso é a própria reação daquele que vê e vivencia o filme. É o sobressalto da poltrona segundos depois de uma granada explodir e por abaixo todo um bunker ou a expressão de repulsa de vermos ratos - mesmo que criados em Computação Gráfica (CG) - saindo de dentro do corpo de um soldado morto.

Voltando ao filme, é relevante ressaltarmos a simplicidade com que a obra foi imaginada exatamente porque ela faz exatamente o contraponto com o coeficiente técnico e sua complexidade a partir daquilo o que o longa se propõe: um drama bélico e histórico com variações tonais da narrativa de aventura e de ação. O tempo, juntamente com a ideia de movimento, por isso mesmo, são as chaves que estruturam aquilo o que o filme é. Sempre à frente, não há ponto de retorno nas duas dimensões que 1917 apresenta.

Diegeticamente falando, ou dedicando nosso foco ao universo ficcional da longa, Blake e Sco não poderiam retornar ao ponto onde partiram. A caminhada seria sempre à frente. Esses personagens andam em círculos, em paralelo ou na perpendicular, mas nunca em uma perspectiva regressiva. A progressão é a dinâmica que os rege. A crítica sobre a semelhança com as narrações “gameficadas”, por exemplo, pode até existir, mas não se consusbstanciam enquanto elemento de invalidação das escolhas de Mendes em sua direção.

O fato de a estória ser à frente, sempre, introduz ao próprio trabalho técnico do longa uma camada a mais. Como filmar cada uma dessas ações se os planos estão subdivididos em imensos blocos imagéticos? A resposta vem pelas mãos da experiência. Nisso, Roger Deakins imprime um coeficiente desafiador para essa trama que em essência é bastante simples. Para acompanhar dois homens que tentam atravessar uma longa distância até chegarem ao ponto de destino, filma-se em uma proposta de 360º.

E se essa câmera não pode retroceder, do mesmo modo como muitos planos não haveria como ser refeitos, contorna-se essa dificuldade com um método de captura que, vez ou outra, circundam essas personagens e os ambientes por onde eles passam. Em alguns momentos, o dispositivo rodeia os corpos desses homens, em outros, gira no eixo dos locais onde eles estão. A circularidade é um modo de alternar o take em perspectiva ou em profundidade de campo.

Muitos analistas condenam fortemente a ideia da tomada única como maneirismo ou preciosismo técnico em uma pretensa busca de se embelezar as imagens que o filme dá a ver. No entanto, quando o recurso é posto à prova em função das condições que a obra impõe, então, decisões como essa justificam-se incondicionalmente. Todo o trabalho de câmera e fotografia do filme foi organizado considerando diferentes partes fundamentais de toda obra como o Design de Produção e o Som (músicas e ruídos).

Quando Sco está nas ruínas da cidade que se ilumina por inúmeros feixes de luz que cortam os céus daquele espaço, essa tríade é apresentada em sua força máxima. Temos o coeficiente cinético, com nosso protagonista em movimento constante; temos o índice imagético onde a luz literalmente molda aquilo o que vemos na tela a partir também de toda a estrutura idealizada pelo designer de produção, Dennis Gassner (Blade Runner 2049); e ouvimos a música de Thomas Newman consolidando o coeficiente sonoro como peça elementar da sensação grandiloquente que somente a experiência audiovisual pode propor a partir da especificidade da sua gramática.

É para isso que serve o cinema. Essa é uma das inúmeras essências que a arte da cinematografia resgata desde sua fundação. Se há alguma mágica maior em nosso contato com essa fazer, ela emerge também desses instantes. Não podemos ser tão mesquinhos de deturparmos propostas como essa. Sabemos que o cinema mainstream sofre com a resistência e imposição dos grandes estúdios. Mas a proposta de uma cinematografia purista pode ter essa veia redencionista à lógica predatório do cinema industrial na entrega e inspiração de trabalhos em diferentes ordens. Reconhecer isso é entender parte do jogo na vida e morte do cinema.

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